Opinião

Projeto de Lei nº 4723/2020 representa importante aperfeiçoamento da LGPD

Autor

  • Guilherme Simões Credidio

    é professor de Direito Urbanístico e Ambiental no Centro Universitário FAM mestre em Administração pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Direito Administrativo pela Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).

6 de outubro de 2020, 10h35

Na última sexta-feira (25/9), o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança apresentou o Projeto de Lei nº 4723/2020, que acresce dispositivos à LGPD (Lei nº 13.709, de 2018) determinando principalmente a preservação de dados pessoais no Brasil. Por constituir uma proposta de enorme potencial de inovação legislativa e que apresenta amplo impacto sobre estratégias empresariais e sobre o dia a dia dos operadores do Direito, esse trabalho visa a esclarecer as mudanças desejadas e suas consequências práticas.

Primeiramente, o PL amplia as exigências referentes aos dados pessoais. A introdução do inciso IV ao artigo 3º da LGPD traz a exigência de que os dados tratados na LGPD sejam armazenados e mantidos fisicamente em repositório situado em território nacional. Justifica-se a introdução do inciso IV pela redação atual de a LGPD não ser explícita acerca do local de guarda e armazenamento físico ou virtual dos dados pessoais. Ademais, a alteração garantiria que os dados estivessem sob jurisdição da lei brasileira e pudessem estar efetivamente disponíveis para a garantia dos direitos dos titulares.

Também no artigo 3º é proposta a inserção do paragrafo 3º, que proíbe o uso da computação em nuvem para todas as operações de tratamento de dados quando a armazenagem se encontrar fisicamente fora do território nacional. Em outras palavras, quando houvesse armazenamento de dados no exterior, a computação em nuvem passaria a ser vedada para todas as operações de coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração. Os fundamentos para o parágrafo 3º seriam a soberania do povo brasileiro, a segurança nacional, a proteção da população e a disponibilidade de provedores de data warehouse que possam atender à demanda resultante da alteração proposta.

Do ponto de vista da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão responsável pela regulamentação da LGPD, o PL transforma a redação do §2º do artigo 55-D para prever a aprovação dos membros do seu Conselho Diretor por comissão de sindicância de vida pregressa e investigação social. Segundo o PL, a composição da comissão que ficaria responsável por esse escrutínio seria: "I – Diretor-geral da Polícia Federal; II – Diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência; III – Ministro da Defesa; IV – Ministro da Justiça e Segurança Pública; V – Ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; VI – Procurador-Geral da República; VII – um membro da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados; VIII – um membro da Mesa Diretora do Senado Federal" [1].

O PL atribui à comissão de sindicância de vida pregressa e investigação social a possibilidade de dispor de meios de investigação suficientes de cada órgão de seus membros para que decida se os indicados aos cargos do conselho diretor da ANPD estariam aptos ou não ao exercício dos cargos para os quais seriam nomeados. Legitima-se a investigação e a aprovação de membros do conselho diretor da ANPD pela necessidade de assegurar que profissionais que teriam o grau máximo de poder e domínio dos dados de toda a população estejam à altura das suas incumbências e possam reforçar os direitos fundamentais e os princípios constitucionais da soberania e segurança nacional na sua atuação.

Compreendidas a formação e as atribuições da comissão de sindicância de vida pregressa e investigação social, são apresentadas restrições à nomeação de membros do conselho diretor da ANPD. O PL prevê vedação à nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, de autoridades do Poder Legislativo, Executivo e ministros do Judiciário. Com essa proposição, os diretores na ANPD não estariam ligados a mandatários de nenhuma esfera de poder e toda nomeação negocial seria evitada.

É essencial rememorar que a LGPD autoriza à Administração Pública o tratamento compartilhado de dados pessoais sem consentimento dos titulares para a execução de políticas públicas — artigo 11, II, "b". Também é primordial recordar que o termo "políticas públicas" comporta certa amplitude semântica. Ademais, não é demais relembrar que a ANPD zelará pelo controle da LGPD e que se espera que seja uma autoridade de proteção de dados autônoma, técnica e atuante [2]. Por conseguinte, propostas que possam aperfeiçoar a governança do seu conselho diretor devem ser louvadas e estudadas.

No que concerne à proposta de guarda e armazenamento de dados pessoais em território nacional e à vedação de tratamento de dados armazenados fora do país, a análise deve ser jurídico-estratégica. Do ponto de vista jurídico, o primeiro benefício seria que os dados ao estarem em território nacional deixariam de estar sob jurisdição alienígena e estariam menos suscetíveis à violação, assegurando a preservação de um direito fundamental amparado constitucionalmente. O segundo benefício jurídico faz menção à segurança nacional que seria melhor tutelada pela proteção da população acerca de seus dados físicos. Do ponto de vista estratégico, o estímulo à contratação de provedores de data warehouse em território nacional poderia gerar maior arrecadação aos cofres públicos, além de mais empregos no Brasil.

Por todas as razões expostas, o Projeto de Lei nº 4723/2020 representa importante aperfeiçoamento na redação da LGPD. É fundamental que seja mantido o debate público que coopere para o constante aprimoramento da Lei de Proteção de Dados Pessoais nacional. Por conseguinte, oferto minha contribuição na expectativa de que possamos construir nossos cenários à luz das inovações legislativas e ao aprofundarmos nossos conhecimentos com a riqueza da prática possamos promover a melhoria contínua da LGPD e da governança da ANPD.

 


[1] Cf. BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei PL 4723/2020. Acresce dispositivos à Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, determinando a preservação no País de dados pessoais e dá outras providências. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1932527&filename=PL+4723/2020. Acesso em 30 de setembro de 2020.

[2] Cf. LÓPEZ, Nuria; MARANHÃO, Juliano; CAMPOS, Ricardo; ABRUSIO, Juliana. A vigência da LGPD e o desafio de adequação no Brasil e do Brasil. Consultor Jurídico. 23 de setembro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-23/direito-digitala-vigencia-lgpd-desafio-adequacao-brasil-brasil . Acesso em 30 de setembro de 2020.

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