Condenação de inocente

Ao anular sentença, juíza dos EUA critica "animus racista" de promotores

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5 de outubro de 2020, 12h17

Nos últimos dias de setembro, Frances Choy, de ascendência chinesa, foi libertada por uma juíza de Massachusetts, EUA, depois de ter sido sentenciada à prisão perpétua, sem direito à liberdade condicional. Ela foi condenada em 2003, aos 17 anos, por crimes que não cometeu: incêndio de sua casa e consequente homicídio dos pais. Passou seus 17 anos de vida seguintes na prisão.

Ao anular a condenação, em 17 de setembro, a juíza Linda Giles citou o aparecimento de novas provas, novo testemunho de um perito, má conduta das autoridades, mas deu maior destaque ao “animus racista” dos promotores encarregados do caso, que transpareceu em e-mails trocados entre eles e que chegaram ao conhecimento da corte.

Os promotores “trocaram inúmeras imagens de pessoas de origem asiática, com comentários pejorativos ou sem explicação”, escreveu a juíza em sua decisão. “Fizeram piadas sobre estereótipos asiáticos e ridicularizaram a raça com caricaturas, nas quais eles se comunicavam em inglês imperfeito”.

Em um desses e-mails pejorativos, o promotor sugeriu que Frances pode ter cometido incesto com seu sobrinho Kenneth Choy, 16, anos, que agora é responsabilizado pelo incêndio, mas está fora do alcance da polícia americana porque fugiu para Hong Kong. Em outro, a promotora escreveu que iria na audiência do dia seguinte com um cheongsam (vestido chinês) e ia fazer origami na sala de espera.

O promotor John Bradley foi demitido em 2013. A promotora Karen O’Sullivan saiu voluntariamente, mas encontrou emprego na Promotoria de outra cidade. O chefe da Promotoria à época, Timothy Cruz, disse ao The New York Times que, após rever o caso, informou à corte que não iria recorrer contra a decisão. E deu a entender que o problema ocorreu por causa de duas ovelhas negras na Promotoria.

“Logo que soubemos da existência desses e-mails inapropriados, contratamos uma firma de investigação independente, a Guidepost Solutions, LLC,  que pesquisou mais de 380 mil comunicações, em um período de quase 11 anos. Ela descobriu nove e-mails inapropriados, mas não encontrou provas de uma cultura de racismo em nossa instituição”, ele disse.

A juíza Linda Giles também responsabilizou a polícia pela condenação errada de Frances Choy. Um dos erros foi a apresentação, como prova, do testemunho de um perito policial, de que havia resíduos de gasolina na roupa da ré. Uma nova perícia, feita depois da condenação, revelou exatamente o contrário.

A polícia também havia encontrado notas no quarto de Kenneth Choy, com planos para o incêndio. Ele disse à polícia que Frances lhe deu ordens para escrever as notas, porque foi ela que planejou o incêndio — e ficou por isso mesmo. Kenneth chegou a ser julgado posteriormente, mas foi absolvido.

A Promotoria, por sua vez, responsabiliza parcialmente o advogado de defesa de Frances pela condenação. Afirma que o advogado não intimou uma testemunha-chave, um amigo de Kenneth, para testemunhar. O amigo teria revelado que Kenneth admitiu ter ateado fogo na casa por vingança e, depois, se vangloriado de ter sido absolvido.

Depois da anulação da sentença, Frances foi colocada em prisão domiciliar até 28 de setembro, quando os promotores admitiram, diante da juíza, que “a justiça pode não ter sido feita”.

Representaram Frances Choy, no processo de libertação, o advogado John Barter e a advogada Sharon Beckman, que é professora da Faculdade de Direito da Universidade de Boston e diretora do Boston College Innocence Program. Ainda não há notícias se ela vai mover uma ação civil indenizatória contra o estado de Massachusetts. Mas, provavelmente, irá.

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