Notícia da ConJur

OAB decidirá se aciona procuradores da República do Rio de Janeiro no CNMP

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4 de outubro de 2020, 15h31

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil irá decidir se aciona o Conselho Nacional do Ministério Público sobre a conduta de procuradores da República do Rio de Janeiro responsáveis pela delação premiada de Orlando Diniz, ex-presidente da Fecomércio-RJ. 

Youtube/O Antagonista
OAB decidirá se aciona CNMP sobre conduta de procuradores que conduziram delação de Orlando Diniz
Reprodução

A informação foi dada à ConJur pelo presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. O Conselho Pleno da entidade irá avaliar suspeitas de que procuradores dirigiram a delação de Diniz.

A deliberação responde a um ofício enviado a Santa Cruz por representantes de diversas seccionais da OAB. No documento (veja íntegra no final do texto), os advogados pedem, com base em notícia dada em primeira mão pela ConJur, a abertura de uma investigação sobre a "lava jato" do Rio e que eventuais medidas cabíveis sejam tomadas. 

"Tendo em vista a gravidade das condutas divulgadas, tem-se que a matéria merece urgente atenção desta entidade e a provocação das autoridades para a devida investigação, corroborando a apuração da veracidade dos fatos noticiados e consequente aplicação das sanções cabíveis", afirma o documento enviado a Santa Cruz. 

Ainda de acordo com o ofício, o Conselho Federal da OAB deve fazer uma profunda análise sobre o que foi relatado pela ConJur e proceder com "a efetivação de todas as medidas administrativas e judiciais em face dos procuradores da República que, em tese, dirigiram e orientaram o texto do acordo de delação premiada indicado na matéria jornalística". 

O pedido enviado a Santa Cruz é assinado por Daniel Teixeira, conselheiro federal da OAB-DF; Alexandre Ogosuku e Gustavo Henrique Badaró, da OAB-SP; Ana Beatriz Rabello e Olavo Hamilton, da OAB-RN; Alex de Souza Moraes Sarkis e Andrey Cavalcante, da OAB-RO; Marcello Terto e Silva, da OAB-GO; Luiz Henrique Antunes Alochio, da OAB-ES; Daniel F. Jacob Nogueira, da OAB-AM; João Luiz Lôbo Silva, da OAB-AL; e Ulisses Rabaneda, da OAB-MT. 

Delação dirigida
A ConJur revelou trechos da delação de Orlando Diniz. O material mostra que o Ministério Público Federal dirigiu as respostas do delator. Em muitos momentos, é a procuradora Renata Ribeiro Baptista quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar os anexos. 

Em dado momento, por exemplo, Diniz diz que os contratos fechados com o escritório de Cristiano Zanin foram legais. A procuradora convence de que ele deve dizer que foram ilegais. "Foram formais, mas ilegais", ela dirige. Diniz concorda. Mais à frente, ele diz para ela colocar o que quiser. 

Em outro trecho do vídeo, Diniz corrige a "informação" de que a mulher de Sérgio Cabral, Adriana Ancelmo, faria parte do "núcleo duro" do suposto esquema. Por causa da declaração, um procurador intimida o delator, insinuando que ele está tentando proteger Ancelmo. 

Diniz chega a contrariar trecho da delação. Ele afirma que uma frase parece ter ficado "meio solta". A procuradora então responde: "Eu aproveitei ela do seu anexo" — o que mostra que ela escreveu a delação. 

A delação de Diniz serviu para justificar o maior bote já dado no Brasil contra a advocacia. Após a denúncia do MPF, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro ordenou o cumprimento de 75 mandados de busca e apreensão em endereços de empresas, escritórios e residências de advogados. No sábado (3/10), o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu a ação de Bretas

Abuso sobre abuso
Em cobertura extensiva, a ConJur vem apontando abusos e ilegalidades flagrantes no ataque comandado por Bretas contra advogados. Com mandados genéricos e sem a devida especificação e individualização, foram ordenadas buscas em 33 endereços residenciais de advogados, com claro intuito de intimidação dos profissionais.

Além disso, Bretas invadiu a competência do Superior Tribunal de Justiça ao determinar o cumprimento de mandados na casa de três desembargadores: um deles com mandato no TRE de Alagoas; outro, do TRF-2, casado com uma advogada; e ainda uma terceira, do TRF-3, também casada com um advogado. O bote motivou manifestações de repúdio no meio jurídico.

O bote ainda tem erros de competência, já que a Fecomércio é uma entidade privada e deveria ser investigada pela Justiça Estadual; e de imputação de crimes, já que seus dirigentes não podem ser acusados de corrupção nem peculato. Em outra vertente há quem entenda que, por pretender investigar ministros do STJ e do Tribunal de Contas da União, a competência seria do STF.

Causou estranheza também o fato de Bretas ter aceitado a denúncia contra parte dos alvos praticamente ao mesmo tempo em que ordenou o cumprimento de mandados de busca e apreensão. Segundo especialistas, ou a denúncia estava bem fundamentada, dispensando a busca, ou ainda precisava de elementos comprobatórios, e não deveria ter sido acatada. O Ministério Público Federal do Rio alega que as duas frentes foram abertas porque a investigação ainda está em curso.

O ataque se baseia na delação do ex-presidente da Fecomercio do Rio de Janeiro Orlando Diniz. O empresário já foi preso duas vezes e vinha tentando acordo de delação desde 2018 — que só foi homologado, segundo a revista Época, depois que ele concordou acusar grandes escritórios de advocacia. Em troca da delação, Diniz ganha a liberdade e o direito de ficar com cerca de US$ 250 mil depositados no exterior, de acordo com o MPF do Rio.

Trechos vazados da delação de Diniz ainda mostram que o empresário foi dirigido pelo Ministério Público Federal do Rio no processo. Em muitos momentos, é uma procuradora quem explica a Diniz o que ele quis dizer. Quando o delator discorda do texto atribuído a ele, os procuradores desconversam, afirmando que vão detalhar nos anexos.

Por fim, Bretas tentou bloquear quantias exorbitantes dos escritórios e dos advogados. Em investigação de supostos desvios de R$ 151 milhões, os bloqueios determinados pelo juiz ultrapassaram R$ 1 bilhão, e só não foram efetivados devido a um erro no sistema do Banco Central. Ele justificou os valores aplicando a cobrança de "danos morais coletivos" ao montante que teria sido recebido ilegalmente por escritório, o que não poderia ter sido feito em ação penal, segundo entendimento da 2ª Turma do Supremo.

Clique aqui para ler documento enviado a Santa Cruz

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