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Advogados criticam decisão do STJ que obriga Google a divulgar nomes de usuários

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4 de outubro de 2020, 11h02

A decisão do Superior Tribunal de Justiça de obrigar o Google a entregar dados de milhares de usuários para auxiliar a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco é desproporcional e viola a privacidade das pessoas, avaliam advogados.

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Advogados criticaram decisão do STJ
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A gigante da tecnologia recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra decisão da 3ª Seção do STJ. Em agosto deste ano, a corte ordenou que a empresa fornecesse a lista de pessoas que pesquisaram o nome de Marielle pouco antes de seu assassinato, em março de 2018. A empresa também ficou obrigada a entregar parâmetros de pesquisa por geolocalização e buscas por palavras-chave. 

Segundo o Google, a decisão do STJ viola a privacidade dos usuários, entre outros direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal. Advogados deram razão à empresa. 

Maristela Basso, professora de Direito Internacional e Comparado da USP, é contra a divulgação dos dados. "É inconstitucional, ilegal e desproporcional a decisão do STJ para que o Google forneça dados dos seus usuários, de forma indiscriminada, sem individualizar os endereços de IPs. A decisão não pode ser cumprida pelo Google, pela simples razão de que, assim agindo, vai violar o direito de privacidade dos usuários e poderá sofrer ações de responsabilidade civil em massa daqueles que se sentirem lesados", diz.

Ainda de acordo com a especialista, o STJ agiu de forma "desmesurada e desproporcional". "Certamente, o Google, como qualquer outra empresa de tecnologia, deve colaborar com a Justiça, desde que esta tenha um suspeito e saiba o que está procurando", afirma.

Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, alerta para os riscos da possível divulgação massiva de dados. 

"Sem a menor sombra de dúvida, a decisão do STJ gera um Estado panóptico que não é desejável em nenhuma espécie de democracia. Pessoas que não são investigadas ou acusadas da prática de algum ato ilícito devem ter a sua privacidade e a sua liberdade preservadas acima de quaisquer outros valores. No momento em que, para fins sociais, começarmos a abdicar de tais conceitos e interferir na vida de todo e qualquer cidadão, estaremos também abdicando do conceito de democracia e estado democrático de direito", analisa.

Para Blanca Albuquerque, advogada especializada em proteção de dados pessoais pelo Data Privacy Brasil e sócia do Damiani Sociedade de Advogados, a decisão do STJ, caso não seja modificada pelo STF, poderá gerar precedentes para flexibilizar o direito à privacidade dos cidadãos brasileiros.

"Neste sentido, cabe lembrar que a União Europeia, após os atentados terroristas de 2005, editou a Diretiva de Retenção de Dados (2006/24), que implicava a retenção dos registros de dados pessoais dos indivíduos pelo prazo de seis meses, para eventual investigação. Entretanto, tal diretiva foi invalidada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, gerando um precedente de que a privacidade dos indivíduos deve prevalecer sobre a vigilância indiscriminada pelo Estado", diz. 

Ainda segundo a advogada, o Brasil segue o caminho inverso ao da Europa. “É incontestável a necessidade de resolução do atentado que matou Marielle Franco e Anderson Gomes. Contudo, também se faz necessária a construção de uma proteção de dados na esfera criminal, sem constituir precedentes que possam flexibilizar garantias constitucionais como a privacidade dos cidadãos”, conclui

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