Opinião

O recurso do assistente de acusação quando do pedido de absolvição do MP

Autor

  • Janson de Oliveira Matos Filho

    é advogado criminalista pós-graduado em Processo Penal presidente da Comissão de Direito Criminal e Assuntos Prisionais da 23ª Subseção da OAB/SC da Comissão Estadual de Assuntos Prisionais da OAB/SC e do Instituto Anjos da Liberdade.

3 de outubro de 2020, 13h13

A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 129, inciso I, a competência privativa do Ministério Público para promoção da ação penal de iniciativa pública, de modo que, salvo as exceções legais, a legitimidade ativa e a pretensão estatal acusatória são de titularidade do parquet.

Pautamo-nos na visão processualista crítica do professor doutor Aury Lopes Jr., em que há necessária crítica à visão do processo penal como relação litigiosa e ao "empréstimo" de categorias civilistas ao processo penal e a visão do acusador como uma espécie de "credor" no processo penal. Não se pode utilizar tal categoria em razão do fato de o processo penal ser o único meio de legitimação do direito penal à realidade, enquanto as relações civilistas existem no campo da realidade sem a necessidade de convalidação por meio da provocação do Judiciário.

Isso posto, e considerando a pretensão unicamente acusatória do Ministério Público — enquanto o ius puniendi se mantém como exclusivo do Estado —, há necessidade de discussão a respeito do pedido de absolvição do Ministério Público e suas consequências jurídicas, sobretudo quando da presença de assistente de acusação no decorrer de processo.

Isso porque "o assistente de acusação é uma parte secundária, acessória, contingencial, pois o processo independe dele para existir e se desenvolver" [1]. Isso decorre justamente do já exposto quanto à legitimidade ativa do Ministério Público prevista constitucionalmente: o processo penal, no que tange à ação penal de iniciativa pública, tão somente tem início quando da investidura do órgão acusador (salvo as exceções legais).

Nesse sentido, inclusive, entendemos que o Código de Processo Penal deve ser lido da mesma forma, em especial no disposto dos artigos 268 e 271, ao dispor o legislador que o assistente intervirá "como assistente do Ministério Público" e "arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio". Ainda, em tempo, o artigo 598 trata da possibilidade do assistente de acusação recorrer da decisão quando o parquet se quedar inerte de tal ato.

Contudo, há de se verificar que o assistente de acusação não substitui processualmente o Ministério Público como titular da legitimidade da ação penal de iniciativa privada e nem como detentor de tal ato. Tratando-se tão somente de figura acessória, sua atuação se dá em conjunto com a do Ministério Público.

Desta feita, há necessidade de discussão da (im)possibilidade de interposição de recurso pelo ofendido, por meio de seu representante, quando a manifestação ministerial for no sentido de absolvição do então acusado.

Considerando a atuação acessória do assistente de acusação junto ao processo penal, tratando-se do Ministério Público como titular da ius ut procedatur e tendo se convencido pela existência de matéria processual que aponta no sentido da absolvição, inexiste legitimidade recursal — e isso de acordo com o artigo 129, inciso I da Constituição Federal — do ofendido ao interpor recurso em sentido contrário ao detentor principal da legitimidade ativa na ação penal.

Nesse sentido também entende Gustavo Badaró [2]:

"Já nas ações penais de iniciativa pública, seja incondicionada, seja condicionada, o papel destinado ao ofendido não é de parte, mas de interveniente eventual. Neste caso, do ponto de vista do direito ao recurso, sua legitimação é especial, posto que, habilitado ou não como assistente de acusação, o ofendido terá legitimidade restrita para a interposição de somente alguns recursos expressamente previstos em lei. E, justamente porque seu papel é de parte assessória do Ministério Público, o seu recurso é subsidiário".

Essa, inclusive, deve ser a interpretação de acordo com a inteligência dos artigos 577 e 271 do Código de Processo Penal: enquanto aquele aponta a legitimidade do ofendido em recorrer somente nos casos em que figurar como querelante — isto é, o efetivo titular da legitimidade ativa nos casos de ação penal de iniciativa privada —, este dispõe que cabe ao assistente de acusação arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público.

Portanto, percebe-se que com a leitura constitucional (e nisso, especificamente, o já citado artigo 129, I) do processo penal no que trata da legitimidade recursal, temos o entendimento da ilegitimidade do assistente de acusação recorrer de decisões judiciais que absolvem o acusado de acordo com o requerimento do Ministério Público por ausência de interesse recursal.

Indo mais além, ainda na mesma linha de raciocínio, temos que necessária a discussão acerca da disposição do artigo 598 do Código de Processo Penal quanto ao recurso subsidiário do ofendido quando ocorrida a inércia do parquet: se os recursos são voluntários, conforme teor do artigo 574, e ausente elemento volitivo ministerial quanto à interposição de respectivo recurso, temos a compreensão que o próprio Ministério Público deu-se por satisfeito com o teor da decisão, de modo que inexistiria também a legitimidade para recurso do assistente de acusação em tal caso.

 


[1] LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal, 16ª Edição. São Paulo : Saraiva Educação, 2019, p. 567

[2] BADARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. 3ª Ed. São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 134

Autores

  • é advogado criminalista catarinense, pós-graduado em processo penal, presidente da Comissão de Direito Criminal e Assuntos Prisionais da 23ª Subseção da OAB/SC, membro da Comissão Estadual de Assuntos Prisionais da OAB/SC e membro do Instituto Anjos da Liberdade.

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