Opinião

A repercussão geral é uma grande aliada do acesso ao Poder Judiciário

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3 de outubro de 2020, 18h15

Inúmeras são as definições do que se pode considerar acesso à Justiça, contudo, a mais simples e completa pode ser sintetizada na confiança dos jurisdicionados de que seus problemas, caso levados ao Judiciário, serão resolvidos de uma maneira célere e eficiente.

A grande questão, então, fica em compatibilizar o próprio conceito de acesso à Justiça com ele mesmo, ou seja, tornar compatível uma tutela judicial que seja rápida e, ao mesmo tempo, respeite todas as garantias legais como as do contraditório, do direito à recorribilidade e do devido processo legal.

Somando essa questão com os fatores de o Brasil ser um país de dimensões continentais, com uma estrutura precária e com uma cultura de judicialização em que os meios autocompositivos, apesar de terem crescido, ainda não serem a regra, o problema fica ainda complicado e distante de uma solução.  

Nesse contexto é que se encaixam os tribunais de vértice do ordenamento jurídico brasileiro, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça. Diferentemente das primeira e segunda instâncias, as ditas cortes superiores não são mais uma instância recursal, sua função constitucional é ditar a intepretação da Constituição, no caso do STF, e da legislação infraconstitucional, no caso do STJ.

Ou seja, funcionam como guias, iluminando a interpretação a ser seguida pelos juízes de primeiro e segundo grau. Essa forma de "guiar" as decisões vem por meio do efeito vinculativo de seus precedentes, principalmente aqueles formados pelo rito da repercussão geral e dos repetitivos.

Seus precedentes vinculantes são a maior expressão de suas funções e possuem um papel vital no acesso à Justiça, garantem confiança nas respostas a serem dadas pelo Poder Judiciário. Esse sentimento pode ser traduzido em uma interpretação una e na garantia de que decisões judiciais proferidas sobre o mesmo assunto no norte do país e outra no sul vão chegar às mesmas conclusões.

Para que isso ocorra, faz-se necessário garantir que as cortes superiores sejam protegidas das enxurradas de processos que inundam o Poder Judiciário. Explica-se, ser protegida não significa barrar recursos de maneira aleatória, significa, em verdade, selecionar os assuntos que serão discutidos nos tribunais superiores. Tendo o papel de uniformizar a interpretação do Direito brasileiro, não cabe aos tribunais de vértice a análise de discussões que não tenham qualquer relevância ou não possuam um efeito multiplicador.

Diga-se, o STJ e o STF não são tribunais desenhados para discutir o caso a caso ou os detalhes de cada lide, isso é papel da primeira e da segunda instâncias. Cabe aos tribunais superiores a análise da interpretação da lei (STJ) e da Constituição (STF).

Essa é a razão de existirem uma série de filtros, como a impossibilidade de análise de fatos e provas, necessidade do prequestionamento dos dispositivos discutidos, necessidade de os argumentos expostos estarem bem delimitados e vários outros.

Tais óbices servem, quando bem aplicados, como forma de garantir que o papel das cortes superiores está sendo cumprido e que o efeito multiplicador das decisões permitirá que os tribunais uniformizem suas interpretações no caso a caso.

Aqui chegamos à importância do mecanismo da repercussão geral, mecanismo de admissibilidade dos recurso extraordinário que consiste na demonstração de repercussão econômico, político, social ou jurídica da discussão travada.

Em um vocábulo menos jurídico, a repercussão geral serve como a demonstração de que o papel das cortes superiores está sendo cumprido pelos jurisdicionados.

Ausente a repercussão geral de determinada questão não significa dizer que a jurisdição não foi prestada pelo Supremo Tribunal Federal, significa, ao contrário, atestar que aquela determinada matéria não prescinde de intervenção da Suprema Corte, sendo mantida a solução a que chegou a segunda instância.

Importante notar que não é necessário demonstrar a repercussão geral da matéria, ou algo do gênero, como requisito de admissibilidade para o recurso especial. Sobre isso, realmente não há qualquer razão para não ser previsto esse tipo de mecanismo no STJ. Seu papel como tribunal de vértice é o mesmo que o STF, com a ressalva de interpretar a legislação infraconstitucional.

Nas palavras do professor Rodolfo Camargo Mancuso, "o STJ também se encontra emperrado, pelo acúmulo de recursos, perdendo espaço em sua agenda para a definição e mais ampla discussão de questões de direito federal e de alta relevância social" [1].

Portanto, a repercussão geral é uma grande aliada do acesso à Justiça, permitindo que, ao menos até o momento, o STF avalie o efeito multiplicador das discussões e sua importância social, jurídica ou econômica.

Funcionando da forma que devem funcionar, as cortes superiores podem atuar como forma de garantir o elemento da confiança e da estabilidade das decisões, sendo a rapidez, ou melhor, a razoável duração do processo uma mera consequência e ajudando a proporcionar, enfim, o acesso à Justiça em seu mais natural estágio.


[1] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 14 ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018.

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