Recalcitrância penalizada

Facebook vai pagar R$ 520 mil de multa por não cumprir ordem judicial no prazo

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2 de outubro de 2020, 21h21

O Facebook, por se sujeitar ao Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), tem o dever de prestar as informações solicitadas pelas autoridades judiciárias brasileiras. Caso descumpra a ordem judicial, pode ser compelido a pagar multa diária, como prevê o artigo 77 do Código de Processo Civil (CPC), independentemente da imposição de outras sanções.

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Por isso, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirmou o teor do despacho da 1ª Vara Federal de Santo Ângelo (RS), que exigiu o depósito de R$ 520 mil da rede social, a título de multa, pela recalcitrância em fornecer dados (perfil preservado e cópias de postagens) de uma mulher denunciada por crime naquela subseção judiciária.

O despacho, datado de 24 de abril, acusou o recebimento dos documentos requeridos pelo Ministério Público Federal, mas não "aliviou" as multas. Afinal, foram 34 dias de atraso, contados a partir ordem judicial, dada em 4 de março de 2020, após o MPF ter feito tentativa infrutífera, direto com o Facebook, em janeiro.

O alto valor é o consolidado de todos este período de atraso no cumprimento da ordem. Começou com a imposição de multa diária no valor de R$ 10 mil, de 10 de março a 13 de abril, e posteriormente de R$ 20 mil, para o período de 14 até o dia 23 de abril — quando, finalmente, a rede social resolveu atender a ordem judicial.

O acórdão, com entendimento unânime, foi lavrado na sessão virtual de 9 de setembro.

Mandado de segurança
No mandado de segurança em que se insurge contra a obrigação contida no despacho da Vara, o Facebook desfiou um rosário de argumentos. De mais relevante, alegou que o ato era ilegal, porque a ordem judicial foi integralmente cumprida; que não existe previsão legal de ato atentatório à dignidade da justiça, sendo que o valor de R$ 520 mil viola a limitação de 10 salários mínimos, previstos no parágrafo 5º do artigo 77 do CPC; e que, por não ser parte no processo, deixou ser intimado —conditio sine qua non para a aplicação de sanção.

O relator do recurso no TRF-4, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, refutou os argumentos utilizados para justificar o não cumprimento da ordem no prazo estabelecido pela Vara — entraves administrativos e técnicos. Ou seja, não se poderia aceitar a tese de que as informações solicitadas pelo juízo só seriam fornecidas mediante procedimento de cooperação internacional.

"A empresa que explora serviços de internet submete-se ao regime da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) e, por se submeter à jurisdição brasileira, tem o dever de prestar as informações determinadas por decisão de autoridade judiciária brasileira, que demanda a apresentação de dados, necessários à apuração de crimes, quando o fato investigado foi praticado em território nacional e aqui é apurado", escreveu no voto.

Thompson Flores lembrou que o Superior Tribunal de Justiça, reiteradas vezes, decidiu que, em matéria submetida à jurisdição brasileira, não é necessária a cooperação jurídica internacional. Isto é, por estar instituída e em atuação no País, a pessoa jurídica multinacional submete-se, necessariamente, às leis brasileiras.

Natureza da sanção pecuniária
O relator também rebateu o argumento de que a multa aplicada não se trata de astreinte (multa diária cominada em um processo judicial de obrigação específica de entregar, de fazer ou não fazer), mas de multa por ato atentatório à dignidade da justiça, como prevê o inciso IV do artigo 774 do Código de Processo Civil. Logo, segundo a defesa, a sua incidência não poderia se dar por dia de descumprimento.

Para o desembargador Thompson, todas as decisões do juízo de origem — exaustivamente examinadas pelo colegiado e postas em ordem cronológica dos fatos no acórdão — tratam da imposição de multa diária, com intuito coercitivo, para compelir o Facebook a cumprir a determinação judicial. Em síntese, tratam-se de típicas astreintes. E isso não só afasta a alegação de que a ordem judicial foi integralmente cumprida como justifica a fixação de multa por ato atentatório à dignidade da justiça — anunciada, mas ainda não fixada pelo juízo.

Em resumo, lembrou que o fato de ter sido declarado que a conduta do Facebook, de não atender a determinação judicial, caracterizou ato atentatório à dignidade da justiça, não impede a aplicação das multas diárias já fixadas anteriormente pela magistrada na origem.

"Logo, os R$ 520.000 resultam da consolidação das multas diárias — astreintes — aplicadas à empresa ora impetrante por descumprimento de decisão judicial, e não de eventual multa decorrente da declaração de prática de ato atentatório à dignidade da justiça, não havendo falar em redução ao adequação ao disposto no artigo 77, § 5º, do Código de Processo Civil", determinou o relator, negando provimento ao mandado de segurança.

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5006955-42.2017.4.04.7105/RS

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