Opinião

Por que é importante mudar a Lei de Lavagem de Dinheiro

Autor

  • André Luís Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor de Direito Penal no IDP-Brasília sócio do Callegari Advocacia Criminal e parecerista especialista em lavagem de dinheiro.

2 de outubro de 2020, 14h07

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, recentemente instituiu uma comissão de juristas para elaborar o anteprojeto de reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro. Recém-criada, a comissão ela já foi alvo de notícias e críticas que não espelham a realidade, notadamente as que dizem respeito a um suposta abrandamento na penalização daqueles que cometem o delito de branqueamento de capitais.

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Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a comissão é composta por ministros do STJ, desembargadores, membros do ministério público, advogados e professores, fato este que impede, por si só, que se tenha uma comissão voltada aos anseios de um determinado setor ou de uma determinada classe, em outras palavras, há paridade na comissão, ou seja, tanto do lado de quem tem a incumbência da persecução penal como do lado daqueles que exercem a defesa. Portanto, superada qualquer possibilidade de favorecimento a um determinado grupo ou classe de pessoas.

Feitas essas considerações iniciais, também é necessário que se esclareça que a Lei de Lavagem de Dinheiro no Brasil foi editada no ano de 1998 ainda com um rol de crimes antecedentes, ou seja, o país entrou tardiamente no combate a este delito e ainda com uma lei dita de segunda geração em que só determinados crimes poderiam dar origem a lavagem de dinheiro.

É verdade que em 2012 a Lei de Lavagem sofreu pequenas e importantes alterações com a supressão do rol taxativo dos crimes antecedentes o que significa que qualquer delito que gere bens, direitos ou valores agora poderá dar vez ao delito de branqueamento de capitais, ou seja, ingressamos na terceira geração e avançamos muito na proteção da administração da Justiça e do sistema financeiro eliminando a possibilidade de ingresso de dinheiro espúrio no mercado ou no financiamento de organizações criminosas.

Porém, como foi dito, a lei sofreu apenas alterações pontuais, o que já foi um avanço, mas necessita ainda de várias correções para que se pontue melhor as questões do enquadramento legal das condutas praticadas na ocultação de dissimulação de bens de origem criminosa. Esse aspecto técnico tem se refletido na dificuldade muitas vezes de saber se estamos propriamente dentro da esfera de um delito de branqueamento de dinheiro ou outro assemelhado já previsto no Código Penal.

Em relação à parte processual, muito se avançou também com a possiblidade de retirada dos valores ou dos bens dos sujeitos condenados pelo delito de lavagem de dinheiro, porém, há outros mecanismos modernos que permitem abreviar o procedimento e assegurar ao Estado a recuperação de ativos ilícitos.

Os órgãos de controle do delito de lavagem e os sujeitos obrigados a prestar informações também devem ser alvo de revisão, pois dentro desse efetivo equilíbrio entre o dever de informar e o dever de fiscalizar se pode obter uma eficácia ainda maior no combate à lavagem de capitais.

Várias questões referentes à legislação antilavagem já foram alvos de discussão na Corte Constitucional, mas necessitam de uma posição concreta ante a falta de decisões que formem um precedente seguro para orientação de todos os processos de branqueamento de capitais. Assim, o STF já enfrentou (AP 863) os casos em que não há uma delimitação de quando cessa o delito de lavagem (crime permanente), ou seja, se é na descoberta dos valores ocultos ou na última movimentação deles. Frequentemente a corte se depara também com o problema entre corrupção e lavagem de dinheiro, isto é, se o mero recebimento dos valores pelo funcionário público além de tipificar o delito de corrupção passiva também seria um delito de lavagem de dinheiro. Aliás, essa questão vem sendo debatida desde o famoso caso "mensalão". A simples guarda de dinheiro de origem espúria é outro exemplo que frequentemente gera debates. Esses são apenas alguns dos casos que são revisitados pelo STF e que necessitam de uma posição firme de orientação criminal.

Assim, passados 22 anos desde a primeira edição da Lei de Lavagem de Dinheiro, era mais do que necessária uma revisão em seus dispositivos legais, principalmente pela dinâmica e velocidade no que tange a esse tipo de criminalidade. Apesar de passar por uma revisão pontual, a lei nunca tinha sido alvo de uma revisão geral, o que poderá ser feito agora pela comissão de juristas instituída pelo presidente da Câmara dos Deputados.

A comissão deverá se debruçar sobre tipos penais assemelhados aos de lavagem de dinheiro, causas de aumento e diminuição de pena, alienação antecipada e extinção de domínio dos bens oriundos do branqueamento de capitais, das pessoas sujeitas a mecanismo de controle na prevenção de lavagem de dinheiro, entre outros que merecem um estudo aprofundado e que já foram alvos de discussão em outros países.

Por fim, e como ressaltei ao princípio, não se trata de abrandamento de penas ou de possível favorecimento a determinados grupos ou setores, porque a comissão é paritária e composta por membros de todos os segmentos do Direito, o que impedirá qualquer tendência para o recrudescimento ou abrandamento da lei. A reforma será puramente técnica e o Brasil precisa de avanços em sua legislação.

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