"ânimo persecutório"

Por indícios de perseguição, CNJ suspende processos abertos pela Corregedoria do RJ

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1 de outubro de 2020, 19h16

Por indícios de "um agir parcial e de ânimo persecutório em desfavor de determinados magistrados”, o conselheiro Henrique Ávila, do Conselho Nacional de Justiça, concedeu nesta quarta-feira (30/9) três liminares para suspender procedimentos abertos pelo corregedor-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Bernardo Garcez, contra dois juízes e um advogado e administrador judicial.

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Corregedor-geral de Justiça do Rio, Bernardo Garcez não concedeu ampla defesa a investigados, diz CNJ

Em maio, a CGJ recebeu ordem da Corregedoria Nacional de Justiça para "regularizar a prestação jurisdicional" na 5ª Vara Empresarial do Rio. Garcez estendeu as providências às demais varas empresariais do estado.

O juiz Luiz Alberto Carvalho Alves, titular da 3ª Vara Empresarial do Rio, argumentou junto ao CNJ que o procedimento instaurado em sua seção "se transformou em despropositada, impertinente e ilegal sindicância" contra ele.

Segundo Alves, o corregedor estaria apurando, de forma genérica, as relações dele com "peritos, leiloeiros e administradores judiciais". Ele afirmou que é até desejável que o julgador tenha confiança nos auxiliares.

Frederico Costa Ribeiro, advogado e administrador judicial, sustentou ao CNJ que passou a ser investigado na apuração contra a 3ª Vara Empresarial. De acordo com ele, apenas a seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil poderia investigá-lo, e não a CGJ.

Em um terceiro pedido ao CNJ, o juiz auxiliar da Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Luiz Umpierre de Mello Serra disse que é alvo de procedimentos sigilosos. Os processos apuram sua suposta participação no vazamento de informações para o juiz João Carlos Amorim de relatório da Corregedoria-Geral da Justiça envolvendo este magistrado.

Com base na Constituição, na legislação processual e na Resolução 135/2011 do CNJ, Serra alegou que a instauração de procedimentos administrativos "ocultos e sigilosos", em que o investigado não pode acessar as provas, viola o contraditório e a ampla defesa.

Em sua defesa, Garcez apontou que há indícios de irregularidades na relação de Luiz Alberto Alves com auxiliares e de que ele tem um patrimônio incompatível com sua renda. Com relação a Ribeiro, o corregedor declarou que existem suspeitas de "potenciais vantagens financeiras ilegais" entre ele e Alves decorrentes de nomeações em processos de falência e recuperação judicial, com eventual lavagem de dinheiro.

Direito de defesa
Ao decidir os casos de Luiz Alberto Alves e Frederico Ribeiro, Henrique Ávila destacou que os procedimentos inicialmente instaurados para acompanhar a eficiência e transparência das varas empresariais transformou-se "em um dossiê investigativo amplo que promove verdadeira devassa na vida" do juiz, de seus auxiliares, de familiares e "outros particulares estranhos ao Poder Judiciário e evidentemente não submetidos à atividade fiscalizatória da corregedoria local".

"Esse mesmo modo de ação, por sinal, parece ter sido adotado contra outros magistrados e auxiliares da Justiça, a indicar ser essa a prática costumeira da autoridade correcional no Rio de Janeiro", ressaltou o conselheiro.

Para Ávila, procedimentos comuns foram transformados em sindicâncias apuratórias de infrações. No entanto, os documentos juntados aos procedimentos não contêm justificam a "drástica" ampliação do objeto e alteração da natureza dos casos.

"Investigações sem qualquer critério objetivo e, principalmente, sem que haja a delimitação das condutas sob apuração e na qual se franqueie ao acusado a oportunidade de contraditar as acusações que lhe são dirigidas, não são compatíveis com o sistema acusatório construído por nossa ordem constitucional e pelo arcabouço normativo infraconstitucional, porque podem representar perseguição política, evidentemente incompatível com um regime democrático", opinou o conselheiro.

Ele lembrou que a Resolução 135/2011 do CNJ é clara ao estabelecer que procedimento correcionais se destinam à apuração de fatos, e não à investigação de pessoas. A norma também exige que, após a identificação dos fatos supostamente irregulares, o magistrado acusado seja notificado para prestar informações. E isso não ocorreu nos três casos.

"Ao que parece, uma vez escolhido o alvo da apuração, o corregedor-geral de Justiça resolveu sindicar integralmente a vida privada do magistrado a fim de identificar possíveis irregularidades. É dizer: primeiro, definiu-se o réu; depois, foram realizadas as investigações para identificar quais irregularidades poderiam a ele ser atribuídas. Ainda que as acusações porventura encontradas sejam verdadeiras — o que não se está aqui a analisar —, a incorreção no proceder acaba por macular o trabalho desenvolvido pelo próprio órgão correcional e embaraçar, adiante, a investigação dos fatos na esfera administrativa ou, até mesmo, jurisdicional", analisou Ávila ao julgar o caso de Alves.

Quanto a Ribeiro, o conselheiro também apontou que há dúvidas se a corregedoria poderia investir alguém que não integra o Judiciário. Afinal, o artigo 158 do Código de Processo Civil atribui tal responsabilidade "ao respectivo órgão de classe".

No procedimento de Serra, o conselheiro ainda ressaltou ser robusta a alegação de que Garcez estaria usando as prerrogativas do cargo de corregedor para finalidades privadas. Isso porque Serra foi testemunha do desembargador Gabriel de Oliveira Zéfiro em processo em que Garcez foi condenado a lhe pagar R$ 50 mil de danos morais por agressão.

Norma contestada
Em 2011, ao decidir se abririam ou não um procedimento administrativo contra um juiz, os desembargadores do Órgão Especial do TJ-RJ afirmaram que o dispositivo da Resolução 135 do CNJ que trata da prescrição dos processos disciplinares é inconstitucional. 

O artigo 24 da norma tem a seguinte redação: "O prazo de prescrição de falta funcional praticada pelo magistrado é de cinco anos, contado a partir da data em que o tribunal tomou conhecimento do fato, salvo quando configurar tipo penal, hipótese em que o prazo prescricional será o do Código Penal".

O desembargador Bernardo Garcez levantou a questão de ordem: o tribunal teria de se manifestar sobre a constitucionalidade da Resolução 135. Para ele, a resposta era clara: um órgão administrativo não poderia legislar estabelecendo prazo prescricional.

Garcez já se manifestou em diversas ocasiões pela extinção do CNJ. "Além de violar a autonomia da federação, [o CNJ] é inócuo, pois não traz nada de positivo para os tribunais. Burocratiza, dificulta, demora no que interessa a eles, e não ao jurisdicionado. Por isso sou um pouquinho mais prático e defendo a sua extinção. É uma estrutura altamente custosa e de pouco efeito. Além de submeter, nos casos das ações disciplinares, os magistrados a longas tramitações, humilhantes tramitações, que fogem à finalidade, que seria de resolver problemas", afirmou em sessão do Órgão Especial do TJ-RJ.

Clique aqui para ler a decisão de Luiz Alberto Carvalho Alves
Clique aqui para ler a decisão de Frederico Costa Ribeiro
Clique aqui para ler a decisão de Luiz Umpierre de Mello Serra
Processos 0003633-48.2020.2.00.0000 (Alves), 0006467-24.2020.2.00.0000 (Ribeiro) e 0007687-57.2020.2.00.0000 (Serra)

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