Caso Banespa

Gestão temerária em contratos distintos gera crime único, reconhece STJ

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1 de outubro de 2020, 8h39

Muito embora um único ato seja capaz de consumar o delito de gestão temerária, a reiteração de atos não constitui delito autônomo, mas mero desdobramento dessa habitualidade, de modo que é necessário o reconhecimento do concurso de crimes. Sua prática reiterada não configura pluralidade de delitos.

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Gestão temerária aconteceu no Comitê de Crédito do extinto banco Banespa

Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça aplicou a jurisprudência das cortes superiores e deu provimento a Habeas Corpus ajuizado por ex-integrante do Comitê de Crédito do Banespa para extinguir uma ação que penal que resultou em condenação autônoma pelo crime de gestão temerária.

O caso envolve o ex-deputado federal e ex-prefeito de São João da Boa Vista (SP) Nelson Mancini Nicolau, que foi denunciado pelo crime em ações diferentes, referentes a variados atos enquanto integrante do Comitê de Crédito do Banespa.

Diferentes atos geraram variadas ações penais, nas quais foi denunciado ao lado de dezenas de pessoas. Em uma delas, foi condenado a 4 anos e 3 meses de reclusão por gestão temerária ao participar, com outras 13 pessoas, da aprovação de financiamento para implantação de linha de produção de fécula de mandioca em 1991.

A partir dela, a defesa do ex-administrador do Banespa procurou desconstituir as demais ações penais e obteve sucesso. Em 2013, o Supremo Tribunal Federal decidiu caso levado pela defesa de Mancini Nicolau em que apontou que o crime de gestão temerária caracteriza-se por ser habitual e sua prática reiterada não configura pluralidade de delitos.

Em 2019, o próprio STJ reconheceu o bis in idem e absolveu o ex-administrador do Banespa em outra ação penal, causada por contrato distinto (HC 391.053). Com isso, o relator do HC, ministro Rogerio Schietti, apontou que seria inoportuno analisar a tese após dois precedentes específicos sobre o tema.

Assim, deu provimento ao HC para extinguir ação penal que apontava ocorrência de crime de gestão temerária por, ao lado de 37 pessoas, contratar e renovar sucessivamente uma Carta de Fiança para uma construtora no valor de US$ 6 milhões, documento que teve que honrar e enviar para 'créditos em liquidação' (de difícil recebimento).

Lucas Pricken/STJ
Ministro Schietti entendeu ser inportuno tentar rediscutir tema após dois precedentes
Lucas Pricken/STJ

Ressalva do relator
Ao seguir a jurisprudência, o ministro Schietti expôs a problematização do tema e fez ressalva de entendimento pessoal. Explicou que a ocorrência dos chamados crimes habituais pressupõe a prática de conjunto de atos que, isoladamente, não seriam relevantes penalmente.

E identificou também o delito habitual impróprio ou acidentalmente habitual, em que um ato é suficiente para consumar o crime. O que a jurisprudência entende é que, embora só precise de um fato, sua repetição não gera crimes autônomos, mas mero desdobramento dessa habitualidade.

No caso do ex-gestor do Banespa, a prática da gestão temerária em vários contratos impede a existência de vários crimes autônomos. Para o ministro Schietti, essa conclusão dependeria de análise da finalidade almejada e da produção de lesões distintas.

"Se houver diversos atos de gestão, voltados para a concessão de múltiplos financiamentos, em tempo e modo distintos uns dos outros, mas todos esses financiamentos, por si sós e isoladamente considerados, possam resultar risco demasiado de ocasionar prejuízo a terceiros (com ameaça própria integridade financeira da instituição), não há como compreender como crime único, mas como crimes autônomos cometidos em concurso", explicou.

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HC 444.389

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