Opinião

Preceito fundamental, um conceito ainda indefinido

Autor

  • Emerson Fonseca Fraga

    é jornalista graduado pela Universidade de Brasília (UnB) estudante de Direito na mesma instituição e de especialização em Direito Constitucional na Universidade Católica de Brasília (UCB).

1 de outubro de 2020, 13h08

O conceito de "preceito fundamental" é um dos que mais assombram os constitucionalistas, segundo Rosana Carrijo Barroso (2008, p. 463). Isso porque tanto a Constituição de 1988 quanto a Lei nº 9.882/1999, que regulamenta a ação denominada arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), não trazem qualquer definição conceitual para a expressão (BRASIL, 1999, online).

André Ramos Tavares organiza uma conceituação abstrata. De acordo com o autor:

"Os preceitos fundamentais realmente diferenciam-se dos demais preceitos constitucionais por sua importância, o que se dá em virtude da imediatidade dos valores que encampam e da relevância desses mesmos valores para o desenvolvimento ulterior de todo o direito. Os preceitos fundamentais de uma Constituição cumprem exatamente o papel de lhe conferir identidade própria. Albergam, em seu conjunto, a alma da Constituição" (TAVARES, 2001, p. 53).

Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal, 20 anos depois da aprovação da lei que regulamenta a ação de arguição de descumprimento de preceito fundamental, foi capaz de chegar a um recorte viável conceitualmente para definir o termo. O problema vem desde a ADPF 01/RJ, julgada em 2000. Na ocasião, o relator, ministro Néri da Silveira, afirmou em seu voto que "ao Supremo Tribunal Federal compete o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasileiro, como preconceito fundamental" (BRASIL, 2000, p. 10). A missão, entretanto, ainda não encontrou seu desfecho, tendo em vista que nenhum dos ministros sequer se arriscou, doutrinariamente ou no exercício da jurisdição, a fazer um resumo concretamente aplicável para o termo "preceito fundamental".

Para Uadi Lammêgo Bulos, são qualificáveis como preceitos fundamentais "os grandes preceitos que informam o sistema constitucional. Que estabelecem comandos basilares e imprescindíveis à defesa dos pilares da manifestação constituinte originária" (BULOS, 2020, p. 334). Ao citar esses tão seletos pilares, entretanto, o autor inclui mais de uma dúzia de artigos e outros vários incisos, parágrafos e alíneas da Constituição de 1988 — e apenas de forma exemplificativa, ressalta.

É fato que não há, na doutrina brasileira, nenhuma definição razoavelmente forte da expressão "preceito fundamental". A tentativa de delimitação de Ingo Sarlet, Luiz Marinoni e Daniel Mitidiero, entretanto, é uma das mais sintéticas e razoáveis do panorama atual da pesquisa em Direito Constitucional no Brasil, inclusive nas exemplificações.

Para os autores, o primeiro ponto a ser levado em consideração é que nem todas as normas constitucionais são preceitos fundamentais. Essa categoria estaria reservada a determinadas partes de maior relevância do texto constitucional, "que consagram os princípios fundamentais (artigos 1º a 4º) e direitos fundamentais (artigo 55 e seguintes), bem como as que abrigam cláusulas pétreas (artigo 60, § 4º) e contemplam os princípios constitucionais sensíveis (artigo 34, VIII)" (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2020, p. 1400).

A interpretação dos autores é um tanto esclarecedora e confere um norte interpretativo para o conceito. O esforço doutrinário e jurisprudencial de reflexão sobre o que é de fato "preceito fundamental", entretanto, ainda não chegou a um termo reduzido o suficiente para que se preveja com precisão qual postura adotarão os ministros do Supremo Tribunal Federal frente a lesão objeto de arguição de descumprimento de preceito fundamental. O conceito ainda está sendo construído e, inevitavelmente, caso a caso.

 

Referências bibliográficas
BARROSO, Rosana Carrijo. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Cadernos da Escola de Direito e Relações Internacionais da UniBrasil, Curitiba, v. 1, nº 8, p. 459-487, jan-jul/2008. Disponível em: https://portaldeperiodicos.unibrasil.com.br/index.php/cadernosdireito/article/view/2605. Acesso em: 09 set. 2020.

BRASIL. Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1o do artigo 102 da Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9882.htm. Acesso em: 10 set. 2020.

__________. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1/RJ. Rel.: Minº Néri da Silveira. Julgado em: 03 fev. 2000. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=348389. Acesso em: 09 set. 2020.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2020.

SARLET, Ingo Wolfgag; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Editora Saraiva Educação, 2020.

TAVARES, André Ramos. Tratado da arguição de preceito fundamental. São Paulo: Editora Saraiva, 2001.

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    é jornalista graduado pela Universidade de Brasília (UnB), estudante de Direito na mesma instituição e de especialização em Direito Constitucional na Universidade Católica de Brasília (UCB).

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