Opinião

Independência x controle: o caso do Banco Central brasileiro

Autor

  • Wagner Vinicius de Oliveira

    é advogado doutorando em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia ambos com bolsa de pesquisa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

30 de novembro de 2020, 19h15

Em meio ao crescimento do contágio e das mortes provocadas pela pandemia da Covid-19, o tema da autonomia do Banco Central da República do Brasil reaparece no cenário nacional [1]. A retomada dessas discussões possui implicações diretas sobre as respostas econômicas e sociais em meio à crise sanitária. Busca-se oferecer argumentos contrários à suposta autonomia.

A autarquia federal é responsável pela definição das tarifas bancárias, pelos serviços do meio-circulante (circulação de dinheiro), pelo controle do crédito, pelas operações de câmbio, além de atuar como agente do governo federal para a colocação de empréstimos internos ou externos e operará exclusivamente com instituições financeiras públicas e privadas, nos termos da Lei nº 4.595/1964. O Banco Central, vinculado ao Ministério da Economia, não possui autonomia financeira, funcional e institucional e sua atuação técnica está atrelada às políticas econômicas implementadas pelo governo federal.

A questão central repousa sobre os valores que se atribuem à independência e ao controle e, principalmente, suas implicações no Estado democrático de Direito. Vale recuperar alguns argumentos desenvolvidos pelo cientista político estadunidense Robert Dahl. Em primeiro lugar, considerar que "organizações independentes são altamente desejáveis em uma democracia" [2], mas antes é preciso destacar que independência e controle não possuem finalidades próprias; ao contrário, são instrumentos que devem servir a um objetivo maior necessariamente democrático.

Por certo, algumas instituições precisam de um nível relativamente alto de independência, sob pena de não conseguirem cumprir suas finalidades institucionais. Basta imaginar que uma suprema corte controlada por interesses econômicos ou políticos eleitorais não possui força suficiente para declarar inconstitucional uma lei ou um ato normativo que contrarie a constituição federal, por exemplo. Mas independência não equivale à soberania ou à completa ausência de controle.

Desse modo, "propõe-se que para ser independente num sentido político é não estar submetido ao controle de outro" [3], todavia quais são as razões que autorizam essa prerrogativa ao Banco Central? Primeiro, cabe considerar que a independência especialmente das organizações econômicas pode acarretar 1) a estabilização de iniquidades políticas; 2) a deformação da consciência cívica; 3) distorcer a agenda pública; e 4) alienar o controle final [4].

Isso sem mencionar que decisões econômicas capazes de interferir diretamente na vida das pessoas são tomadas por agentes que não se submetem ao controle do voto popular, direto e periódico. Além disso, essa "expertocracia" inviabiliza a participação das pessoas concretas (demos) e o controle daquelas/daqueles que governam por aquelas/aqueles que são governados (oposição), dois pontos centrais na construção teórica de Robert Dahl.

Por outro lado, cabe considerar as dimensões de controle do Banco Central brasileiro. Parece igualmente acertado afirmar que o controle de agenda dessa instituição pelo partido político ou pelas coalizões que se estabelecem em torno da "governabilidade" entra em contradição com as ditas finalidades institucionais. A subjugação das decisões econômicas por critérios políticos também é deletéria para as ideias de democracia e de participação social; se bem que não é possível estabelecer uma clivagem estanque entre decisões técnicas e políticas, no plano concreto esses elementos se atravessam.

Existem componentes políticos, que privilegiam ou preterem determinados agentes, por trás de decisões econômicas de manutenção, aumento ou diminuição de um índice financeiro há opções políticas bem delineadas. Diante disso, tem-se que a Economia, como ciência social aplicada que é, precisa estar "sob controle" do interesse público primário que, por sua vez, precisa pautar a agenda pública.

No entanto, um nível relativo de independência ao Banco Central serve para assegurar que os interesses imediatos de perpetuação de projetos personalíssimos de poder não capturem as decisões econômicas e também funcionam como uma espécie de salvaguarda institucional para conter eventuais políticas econômicas desastradas. Ao passo que um nível relativo de controle político dessa instituição serve para assegurar que um tipo específico de agenda econômica não capture as decisões políticas.

Importa recordar que tanto as opções políticas quanto as opções econômicas precisam ser submetidas ao crivo de escolha eleitoral, isso possui um acentuado valor democrático e teórico que aparece sob a forma de controle da agenda pública pelo conjunto formado pelas cidadãs e pelos cidadãos. Por outras palavras, as diretrizes econômicas acompanham desde o início o projeto político de governo do qual o eleitorado escolhe diretamente nas urnas. Não obstante, aquela/aquele que exerce temporariamente a chefia do Executivo federal estará submetido as pressões populares de fidelidade ao projeto apresentado.

Nesses termos, o controle dessa autarquia representa — em última instância e ainda que virtual — a possibilidade de um controle social em torno de algumas questões econômicas; noutro extremo, a independência equivale a colocar importantes decisões econômicas fora do alcance democrático. Volta e meia o tema da independência do Banco Central reaparece no debate nacional, no entanto, agora possui um elemento adicional: a pandemia da Covid-19, que possui uma temporalidade própria.

Em meio ao déficit fiscal, as crises econômica e sanitária acentuam-se cada vez mais. Até agora, os projetos de lei orçamentária anual (LOA) e de lei de diretrizes orçamentárias (LDO) não foram enviados ao Congresso Nacional, ou seja, pairam incertezas sobre o orçamento referente ao ano de 2021. Mas, por incrível que pareça, as discussões gravitam em torno de mais liberdade econômica, sem antes definir abertamente quais são os destinatários finais dessa tal liberdade.

São decisões políticas e econômicas que ultrapassam a mera retomada do crescimento dos índices econômicos, mas impactam diretamente na geração e na manutenção de empregos, de políticas públicas, de assistência social, de política ambiental, entre outras. A realização de determinadas políticas monetárias, cambiais e credidícias pelo Banco Central é fator crucial para orientar que tipo de investimentos estrangeiros a política econômica estará privilegiando, além de determinar diretamente a oferta e o valor de empréstimos bancários, por exemplo. Influencia, desse modo, nos custos de alocação dos recursos financeiros privados e estatais.

Esses são alguns exemplos de decisões que essa autarquia federal pode adotar e influenciar positiva ou negativamente no enfrentamento das crises social, econômica e sanitária que se avizinham num horizonte próximo. Assim, o caso do Banco Central brasileiro não se situa em nenhuma dessas duas extremidades (independência e controle) de maneira isolada, ao contrário, cabe assegurar um nível relativo de independência para o desempenho de suas funções institucionais ao mesmo tempo em que se estabelecem formas de controle democrático nas decisões econômicas que afetam a vida em sociedade. Busca-se, portanto, um dinâmico equilíbrio entre independência operacional e controle democrático.

 


[1] BRASIL. Senado Federal. Senado aprova projeto da autonomia do Banco Central; texto vai à Câmara. Brasília, 3 novembro de 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/11/03/senado-aprova-projeto-da-autonomia-do-banco-central-texto-vai-a-camara Acesso em: 10 nov. 2020.

[2] No original: "Independent organizations are highly desirable in a democracy […]". DAHL, Robert Alan. Dilemmas of pluralist democracy: autonomy vs. control. Yale: Yale University Press, 1982, p. 01 (Yale Studies in Political Science n. 31).

[3] No original: "[p]ropose that to be autonomous in a political sense is to be not under the control of another." DAHL, Robert Alan. Dilemmas of pluralist democracy: autonomy vs. control. Yale: Yale University Press, 1982, p. 16 (Yale Studies in Political Science n. 31).

[4] DAHL, Robert Alan. Dilemmas of pluralist democracy: autonomy vs. control. Yale: Yale University Press, 1982 (Yale Studies in Political Science n. 31).

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    é advogado, doutorando em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia, ambos com bolsa de pesquisa pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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