Opinião

Cooperativismo e economia criativa fortalecendo o pequeno produtor rural

Autor

  • Ana Beatriz Prudente

    é membro do Comitê de Combate à Covid-19 da Faculdade de Educação da USP membro do Grupo de estudos de Teoria do Estado Brasileiro da Faculdade de Direito da USP (GETEB – FDUSP) desenvolvedora de projetos de Economia Criativa e educadora de Agrossustentabilidade.

30 de novembro de 2020, 16h15

A cooperativa rural fortalece o pequeno agricultor rural, na medida em que une pequenos produtores para facilitar a venda dos seus produtos e promover o desenvolvimento econômico das comunidades nas quais estão inseridos. Para fornecer seus produtos para uma rede de supermercado, por exemplo, ou atender a demandas maiores, o pequeno agricultor necessita de uma logística de transporte e de apoio jurídico e contábil, entre outros, e realizar essas tarefas sozinho é muito mais difícil ou muitas vezes impossível. Portanto, a cooperativa torna-se essencial para seu crescimento e atuação e para que o pequeno produtor possa ser mais competitivo, além de incentivar o desenvolvimento econômico da comunidade.

Dessa forma, o produtor rural passa a ser parte da economia criativa, uma vez que ele precisa ter criatividade para agregar valor ao produto; por exemplo, o produtor rural pode vender ervas para chás, como cavalinha, hortelã, carobinha, in natura numa feira, mas pode evoluir e desidratar as folhas, vendendo o produto embalado como sachê de chá. A partir desse momento, passa a competir com empresas que já vendem chá produzido de forma industrializada. O chá do pequeno produtor é mais charmoso e saudável por não ter conservantes. Ou seja, esse pequeno empresário rural usou sua criatividade para criar uma outra forma de atender ao consumidor. Veja, a criatividade não está somente na criação dos produtos, mas também no uso inteligente dos insumos rurais. O pequeno agricultor deve olhar para sua produção e pensar no que pode ser criado e vendável em um supermercado ou em uma mercearia com produtos diferenciados, quais as peculiaridades de cada alimento ou insumo e de que maneira eles podem ser apresentados, alcançando mais consumidores.

Esse repertório criativo está muito ligado à sua cultura, pois, muitas vezes, ele está comercializando itens cultivados de maneiras tradicionais consolidadas por várias gerações. Um exemplo é o doce de banana: uma cooperativa que vende banana in natura pode produzir o doce de banana típico de determinada localidade. Assim, a cooperativa é uma propulsora da economia criativa — que é justamente a comercialização de produtos e serviços que usam o capital criativo e o capital cultural.

Coolhunting nas cooperativas
O que é coolhunting? É o estudo das tendências de mercado, para que a cooperativa fique ciente das principais expectativas do mercado, desejos dos consumidores, inovações etc. Esse acompanhamento é importantíssimo, portanto, é necessário que uma cooperativa, que tem mais fôlego financeiro que agricultores isolados, contrate uma consultoria de coolhunting ou ter seu próprio coolhunter.

Um bom exemplo é o fato de as vendas de produtos de decoração e itens domésticos terem crescido bastante durante a pandemia: isso porque as pessoas precisaram ficar mais tempo em casa. No caso dos produtores rurais, alguns podem ter entre seus familiares alguém que confecciona cestos de palha, ou seja, o produtor rural pode então ampliar a sua oferta de itens, para além dos alimentos.

Não podemos ainda esquecer que a presença digital das cooperativas é também importantíssima atualmente, é necessário não só ter produtos bons e atender bem aos consumidores, mas ter um site atraente, de fácil acesso, é preciso estar presente de forma dinâmica em todas as redes sociais. Dessa forma, é possível fortalecer sua marca e seus valores, ganhando uma visibilidade que ultrapassa a comunidade local. Hoje, a venda online tornou-se ainda mais essencial, por isso, não estar presente de forma correta no mundo digital pode fazer com que o pequeno produtor não sobreviva.

É preciso entender qual é grande diferencial de um produto que vem de uma cooperativa rural, o que faz um consumidor comprar de uma cooperativa e não de uma grande empresa ou indústria. Em geral, porque ele é um produto orgânico, com uma origem agroecológica, é não só mais saudável porque está também livre de itens nocivos à saúde como foi elaborado sem impacto negativo ao meio ambiente. Portanto, é muito importante para uma cooperativa aderir à prática da agricultura sustentável e deixar isso claro para todos — não adianta ter uma prática de agricultura sustentável se o consumidor não sabe. Por isso, as redes sociais também são tão importantes, visto que o consumidor quer saber mais sobre os alimentos que adquire.

Quando compramos com um produtor rural ou cooperativa, imaginamos que ele teve tratamento carinhoso em sua fabricação e hoje, cada vez mais, as pessoas querem conhecer seus agricultores, querem saber de onde aqueles produtos vêm. Quando compramos um doce de banana gostamos de saber que ele foi feito pelo senhor João, de uma pequena fazenda, chácara ou sítio e como esse doce é desenvolvido, embalado etc.

No entanto, para que a cooperativa possa se desenvolver da maneira citada, ela precisa de apoio, de políticas públicas que incentivem seu crescimento. É preciso que haja a oferta de apoio técnico e de cursos de capacitação para seus cooperativados. Muitas vezes, pequenos produtores rurais não conseguem participar de cooperativas porque não têm a documentação de sua própria terra, por exemplo, assim é essencial que haja também uma política pública de suporte para esses pequenos produtores para que possam estar regularizados, e estejam em dia com a regulamentação da sua terra para que então eles consigam aderir às cooperativas e se beneficiarem de políticas públicas para pequenos produtores

Além de oferecer cursos de capacitação ou apoiar a elaboração de cursos de capacitação para cooperativas e cooperativados, o poder público também precisa incentivar as pesquisas agropecuárias, já que o objetivo da agricultura familiar é ser uma agricultura sustentável, de menor impacto ao meio ambiente. É muito importante também conseguirmos diferenciar associativismo de cooperativismo. No caso do pequeno produtor rural ambos são importantes, mas há uma diferença: a associação geralmente procura fazer o trabalho social e político dentro da comunidade rural, ou seja, é como uma pessoa jurídica que facilita o acesso da comunidade a alguns programas do governo ou desenvolve pautas sociais e políticas daquela comunidade. É importante ressaltar que a cooperativa é o braço de atividade econômica de um grupo de pessoas, então dentro daquela comunidade rural há pessoas que desenvolvem uma atividade de produção rural e juntos formam uma cooperativa para facilitar e maximizar a comercialização e expansão dessa atividade econômica.

No mundo rural os grandes produtores também possuem suas associações que articulam pautas junto aos governos, apoiam pesquisas etc, mas, sem dúvida alguma, para o pequeno produtor rural as cooperativas e associações ganham uma importância muito maior porque sem elas é muito mais difícil se desenvolver economicamente. Uma porta de entrada para as cooperativas começarem a lidar com os compradores institucionais são dois programas federais: o PAA e o PNAE. O PAA é o Programa de Aquisição de Alimentos e determina que órgãos federais destinem 30% dos seus recursos para a compra de alimentos que venham da agricultura familiar. Isso é muito bom para as cooperativas rurais porque é uma porta de entrada para que comecem a fornecer para os compradores institucionais. Um exemplo de órgão público que compra dos produtores rurais são as universidades federais para os seus refeitórios. Até junho de 2019, 16 universidades federais já compravam o que não representa nem 50% das nossas universidades federais, então há muita ampliação pela frente.

O PNAE, que é o Programa Nacional de Alimentação Escolar, faz a ponte entre os produtores rurais e cooperativas para serem fornecedores de escolas públicas. A Lei 11.947 de 2009 define que 30% do valor deve ser repassado para os estados e municípios pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o que significa que as escolas dos estados e municípios devem utilizar esse recurso para a compra de gêneros alimentícios da agricultura familiar ou de empreendedores rurais para as suas merendas — então esses dois programas são uma porta de entrada para que as cooperativas forneçam para os entes institucionais. A grande questão, por exemplo, do PNAE é que as escolas não vão absorver 100% do que a cooperativa produz e ainda há o período de férias das escolas, então é muito importante que a cooperativa não forneça só para esses programas do governo, elas devem ter um leque de clientes que não seja só o poder público para dar conta da sua produção e para cooperativa ganhar cada vez mais e esse dinheiro ser aplicado na comunidade.

O diálogo permanente entre o poder público, que cuida das pautas rurais, com as cooperativas também é importante!

Autores

  • Brave

    é membro do Comitê de Combate à Covid-19 da Faculdade de Educação da USP, membro do Grupo de estudos de Teoria do Estado Brasileiro da Faculdade de Direito da USP (GETEB – FDUSP), desenvolvedora de projetos de Economia Criativa e educadora de Agrossustentabilidade.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!