Opinião

Consentimento para tratamento de dados pessoais na relação de trabalho na LGPD

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30 de novembro de 2020, 9h13

Tal como ocorre no GDPR, a LGPD posiciona o consentimento do titular como hipótese permissiva primária para o tratamento de seus dados pessoais como forma de garantir ao titular o máximo de controle e poder sobre suas informações pessoais.

Porém, embora a nossa lei seja claramente inspirada no GDPR, há entre os normativos diferença abissal quanto ao nível de detalhamento das previsões sobre temas relevantes, tal como o consentimento nas relações de trabalho, situação para a qual a LGPD não traz nenhum dispositivo específico, diferentemente do GDPR, que aborda o tema através do artigo 88 e recital 155.

A regulamentação sobre tratamento de dados pessoais não é algo novo no cenário europeu e o tema sobre consentimento de empregados foi objeto não apenas do GDPR, mas, muito antes de sua publicação, foi um dos assuntos abordados na opinião 8/2001 do article 29 Data Protection Working Party (DPWP), ainda no escopo da Diretiva 95/46EC. Na referida opinião, o DPWP chama atenção a um dos fatos mais relevantes sobre o consentimento nas relações empregatícias: a efetiva liberdade do titular em consentir.

A LGPD não traz disposições específicas sobre o consentimento dentro de uma relação de trabalho, tampouco veda o enquadramento de dados pessoais com suporte da referida base legal, sendo, portanto, base legal válida e apta a suportar o tratamento de dados pessoais dessa categoria de titular.

Ainda que haja essa permissão legal, o tratamento de dados pessoais de empregados mediante consentimento encontra alguns desafios, especialmente no que se refere às medidas necessárias para reduzir os impactos da desigualdade entre as partes no que se refere à vontade real de consentir.

Isso porque a LGPD conceitua o consentimento como "manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada"; ao passo que prevê que serão nulos os consentimentos prestados nos casos em que "as informações fornecidas ao titular tenham conteúdo enganoso ou abusivo ou não tenham sido apresentadas previamente com transparência, de forma clara e inequívoca".

A previsão de nulidade do consentimento prestado com vício de vontade coaduna com as disposições do Código Civil brasileiro acerca das causas de anulabilidade dos negócios jurídicos, quais sejam, erro ou ignorância, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.

Partindo da percepção do consentimento como negócio jurídico firmado entre as partes em posições díspares, é possível concluir que consentimento prestado dentro de uma relação de trabalho é passível de nulidade não apenas nos termos da LGPD, mas também quando estiver eivado de quaisquer dos vícios de vontade previstos do Código Civil, notadamente pelos vícios de erro e de lesão que decorrem da assunção de prestação manifestamente desproporcional por uma das partes, quando esta se encontra em premente necessidade, ainda, por inexperiência em relação à obrigação que assume.  

Nota-se, portanto, que o risco de anulabilidade do negócio jurídico é eminentemente maior na relação de trabalho do que quando o consentimento é coletado dentro de relação estabelecida entre partes pares entre si.

Em decorrência desse risco acentuado, cabe ao empregador adotar algumas cautelas adicionais ao tratamento de dados cuja legitimação decorreria do consentimento, como prestar informações claras ao titular sobre todos os aspectos envolvidos no tratamento de dados pessoais com o qual está consentindo; aplicar medidas para reafirmar se o titular efetivamente entendeu o que lhe foi explicado, como pequenos questionários sobre o tratamento dos dados com o qual consentiu; fazer constar no termo de consentimento todas as finalidades e operações de tratamento que serão realizados a partir do consentimento, indicando ainda haverá tratamento de dados sensíveis e compartilhamento com terceiros; é bastante recomendável que não haja tratamento de dados sensíveis tendo o consentimento como base legal dentro de uma relação de trabalho, devendo ser analisada forma menos invasiva possível para o tratamento de forma que o tratamento possa ser enquadrado em outra base legal, apenas para citar algumas medidas.

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    é advogada do escritório WFaria Advogados, especialista em Direito Civil e Consumidor e em Direito Eletrônico pela Verbo Jurídico e pós-graduanda em Compliance pela PUC-MG.

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    é advogada e membro efetivo do Grupo de Trabalho sobre a LGPD da Comissão de Estudos de Compliance da OAB-SP.

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