Opinião

Eleições na Aasp: um imperador na OAB/SP?

Autor

  • Eduardo Pizarro Carnelós

    é advogado criminalista ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp) e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.

30 de novembro de 2020, 19h43

Por razões que não importam agora, há muitos anos eu não me envolvo nas eleições para o Conselho Diretor da Associação dos Advogados de São Paulo, que ocorrem a cada ano para renovação de um terço dele. Não compareço para votar, nem mesmo subscrevo o texto que ex-presidentes da entidade divulgam, em apoio à chapa composta por já conselheiros que buscam a reeleição, ou colegas que já exerceram a função como substitutos, convocados pelo próprio conselho, conforme determina o estatuto. Ao não apor minha assinatura no habitual manifesto dos ex-presidentes, deixo de estar na companhia de ilustres advogados, alguns dos quais amigos queridos.

Da mesma forma, há muitos anos não participo nem declaro apoio a nenhuma chapa concorrente ao Conselho Seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil. Ali, exerço meu direito-dever ao voto, mas não me envolvo nas disputas políticas travadas, algumas vezes até mesmo desagradando a colegas amigos.

Neste ano, mais uma vez eu informei ao presidente da associação, Renato José Cury, que não subscreveria o manifesto dos ex-presidentes em apoio à Chapa 1, sem que isso tenha nenhuma relação com a reconhecida capacidade de todos os integrantes dela.

Ocorre que veio a público a relevante informação de que uma das chapas concorrentes, a de número 3, foi idealizada e teve sua constituição estimulada pelo atual presidente da OAB/SP. Reportagem divulgada pela ConJur na semana passada mostra reunião realizada por meio virtual, em que dirigentes de várias subseções da Ordem discutem a mobilização de eleitores para comparecerem em massa e votarem na Chapa 3, deixando evidente que esta é instrumento de luta política que pretende levar para a Aasp as contendas típicas da OAB, algo inédito desde a fundação daquela, em 1943. Na referida reunião, vê-se também o presidente da seccional paulista, Caio Augusto, perorar em nome do que chamou "um sonho", que seria ver "o Interior" ter voz na Aasp.

Eu, um interiorano exilado em São Paulo há 40 anos que teve a honra de compor o conselho da Aasp e ser seu presidente , tentei entender a lógica do raciocínio, mas desisti, pois constatei não haver nem lógica, nem raciocínio, só uma desmesurada sede de poder. Mas por que tamanho empenho em "tomar" a Aasp?

É evidente que a participação de associados nas eleições, inclusive por meio de chapas que se apresentem como alternativa àquela que representa a continuidade, deve ser não apenas assegurada, mas festejada. Isso, porém, não pode justificar a utilização da enorme estrutura da seccional paulista da OAB e de várias de suas subseções para promover uma campanha que não visa à participação espontânea, mas a um projeto de ampliação de poder de alguém que é saudado por seus seguidores quase como um ser divino, um líder redentor.

Quando vejo isso ocorrer no seio da advocacia, penso que se nós, que assumimos o compromisso de zelar e lutar pelo cumprimento do ordenamento jurídico e a prevalência do Estado democrático de Direito, vemos crescer em nosso próprio órgão de classe o culto à personalidade, do que é consectário inexorável o aviltamento de nossa atividade profissional, com a transformação de todos nós em súcubos, o que esperar das demais entidades que compõem a sociedade civil? Se passarmos a adorar ídolos, que se comportem como demagogos visionários a se oferecerem como demiurgos para o que é requisito essencial abdicarmos de nossa capacidade de exercer o raciocínio crítico e a independência de pensamento , com que autoridade moral exigiremos dos representantes que ocupam cargos públicos que ajam com ética, que não se utilizem da máquina estatal para a satisfação de seus projetos pessoais de conquista e manutenção de poder?

É curioso notar que, entre os ex-presidentes da Aasp que subscreveram o manifesto de apoio à Chapa 1, há conhecidos adversários nas lutas havidas em eleições da Ordem, podendo-se mencionar o caso de dois candidatos à presidência que se enfrentaram no último pleito, vencido em 2018 pelo atual Bâtonnier. Somente isso deveria bastar para mostrar quanto é despropositada a promoção dessa mobilização pela "conquista da Aasp" por parte do atual presidente da OAB/SP e vários de seus seguidores incondicionais.

Sei que, ao escrever e tornar público este singelo texto, eu poderei atrair a ira de muitos que não serão capazes de entender que eu não pretendo com ele travar uma luta política com ninguém, mas expressar minha preocupação, e mais do que isso, minha indignação com a utilização da Ordem para a tentativa de "ocupação" da Aasp, como se ela fosse mais uma cidadela a ser tomada, como sempre fizeram os fanáticos pelo poder, inclusive os romanos embora estes, reconheçamos, fossem capazes de levar muito mais do que tirania e degradação dos costumes aos povos conquistados, como lembra o genial grupo inglês Monty Python no fabuloso filme "A vida de Brian".

Como diz meu amigo e sócio, Roberto Soares Garcia, eis-me aqui na já atividade de "fazer amigos" que me caracteriza. Não escrever este texto, porém, ainda que eu o faça na undécima hora, seria uma omissão, e omitir-me não é, definitivamente, comportamento que me defina. E também por isso, à diferença do que ocorre todos os anos, desta vez eu comparecerei para votar na Chapa 1.

O uso que fiz de expressões candentes não busca ferir ninguém, tampouco criar novas desafeições; de qualquer forma, se isso ocorrer, recomendo que os pretendentes observem a fila, que é longa e deve ser respeitada… E, sem nenhuma pretensão, recomendo ao ilustre presidente da OAB/SP que não confunda nome com destino, e não pretenda ser mesmo um imperador, porque a advocacia é seara que só pode ser cultivada por seres livres.

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