Opinião

Independentemente do seu valor, execução da pena de multa é obrigatória

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

29 de novembro de 2020, 13h12

Despontam decisões no sentido de que, sendo a pena de multa de pequeno valor, por não ultrapassar o necessário para a cobrança pela Fazenda Pública, pode o magistrado indeferir o processamento de sua execução por ausência de interesse de agir.

Não me parece ser correto esse posicionamento, como demonstrarei a seguir.

Durante muitos anos, a responsabilidade pela execução da pena de multa foi da Procuradoria da Fazenda do Estado ou da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a depender da espécie de crime cometido, observado o procedimento da Lei de Execução Fiscal.

Diante da literalidade da redação do CP, artigo 51, não se pode negar que a pena de multa é considerada dívida de valor e que sua execução deve obedecer às normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, no caso, o procedimento da Lei de Execução Fiscal, observadas, inclusive, as causas interruptivas e suspensivas da prescrição

Por outro lado, a multa não deixa de ser pena (CP, artigo 32), com caráter retributivo e preventivo, não perdendo, assim, sua natureza penal.

Contudo, devido ao pequeno valor, que é a regra, sua execução não despertou interesse das Fazendas dos Estados e da União, que possuem valores mínimos para proceder à execução de débitos inscritos na dívida ativa.

Por isso, como o Ministério Público é o titular da ação penal pública e o responsável pela fiscalização da correta execução da pena, cabe a ele promover a cobrança da multa, independentemente do seu valor, pois ela não tem a finalidade indenizatória ou reparatória, mas punitiva.

Com efeito, pouco importa seu valor para o fim de deflagração do processo executivo, não recomendando, dessa forma, que a legitimidade ativa permanecesse com a Fazenda Pública Estadual ou Federal.

Para nós, a multa possui natureza penal, mas a sua execução deverá observar o procedimento da Lei de Execução Fiscal (Lei 6.830/1980), inclusive quanto às causas interruptivas e suspensivas da prescrição nela previstas e no Código Tributário Nacional. Assim, deverá ser proposta pelo Ministério Público perante a Vara das Execuções Criminais, observando-se o rito da Lei de Execução Fiscal.

A questão da competência para a execução da pena de multa foi levada a julgamento no Supremo Tribunal Federal, que, nos termos do que sempre defendemos, decidiu que a legitimidade para sua execução, por ter natureza penal, é do Ministério Público, que é o titular da ação penal pública, devendo ser promovida na Vara das Execuções Criminais. No entanto, para a Suprema Corte, diversamente do que entendemos, o procedimento não será o da Lei de Execução Fiscal, mas o descrito na LEP, artigo 164 e seguintes. Caberá à Fazenda Pública executá-la somente no caso de inércia do Ministério Público, ou seja, se a execução não for promovida no prazo de 90 dias, a contar da intimação do órgão ministerial [1].

Considerando a decisão do Pretório Excelso, que reconheceu ter a pena de multa natureza penal e, por isso, deve ser executada preferencialmente pelo Ministério Público e, subsidiariamente, pela Fazenda Pública, o Superior Tribunal de Justiça alterou seu anterior posicionamento e passou a entender que, não obstante a pena de multa ser considerada dívida de valor, não perdeu seu caráter penal, permanecendo inalterados os efeitos da condenação, não sendo possível declarar a extinção da punibilidade do condenado sem o seu adimplemento [2].

A pena de multa, como o próprio nome diz, é uma espécie de sanção penal, como o é a pena privativa de liberdade. Ela vem cominada no tipo penal e deve ser paga. Não havendo a cobrança, deverá ser executada. Enquanto isso, não pode ser declarada extinta.

Embora a pena de multa seja considerada dívida de valor, ela ainda possui natureza penal e a extinção da punibilidade de forma cabal depende de seu pagamento.

O fato de a Fazenda Pública eventualmente não executar a pena de multa não impede que o condenado, como é sua obrigação, arque voluntariamente com seu pagamento e obtenha, dessa forma, a extinção da punibilidade.

Assim, em razão de sua natureza penal, a extinção da punibilidade ficará na dependência do seu pagamento ou pela ocorrência de outra causa extintiva da punibilidade, como a prescrição.

Não se mostra correta, portanto, a decisão que impede o processamento da execução da pena de multa, tornando essa sanção um nada jurídico, uma vez que a maioria dos tipos penais a prevê no preceito secundário, mas, no caso de condenação a seu pagamento, não ultrapassará, em regra, o valor adotado para a cobrança pela Fazenda Pública, cujo interesse é econômico, diferentemente da Justiça, que aplica a pena para que suas finalidades sejam alcançadas, isto é, a prevenção geral e especial.

Por isso, o menos importante na execução da pena de multa é seu valor, não se buscando com ela reparação ou ganho econômico como a Fazenda Pública, que certamente não possui interesse na execução de dívida de pequeno valor.

O Ministério Público, que representa o Estado, detentor do direito de punir, não busca apenas a reparação econômica, que não é a finalidade da sanção penal. O interesse de agir reside na correta aplicação da pena, com todas suas consequências jurídicas, cuja multa é uma de suas espécies.

Ademais, o Ministério Público não está vinculado a diploma normativo que estabelece valores mínimos para execuções fiscais, que fixam diretrizes para as respectivas Fazendas Públicas.

Dessa forma, por ser a multa espécie de pena e dever ser executada em razão dos princípios da oficialidade, da obrigatoriedade e da indisponibilidade que regem a ação penal pública, sua execução é mandatória, independentemente de seu valor, não sendo legalmente possível ao magistrado indeferir seu processamento por ausência de interesse de agir.


[1] STF: ADI 3150, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, m.v., julgado 13/12/2018.

[2] STJ: EDcl no AgRg no REsp nº 1.806.025 — SP, 6ª Turma, relator ministro Sebastião Reis Júnior, v.u., julgado em 22/10/2019. No mesmo sentido: STJ: AgRg no REsp nº 1.823.453 — SP, relator ministro Leopoldo de Arruda Raposo (desembargador convocado do TJ-PE), julgado em 6/2/2020.

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