Opinião

Breves considerações sobre novos paradigmas para uma Justiça ecologizada

Autor

  • Elias Cabral de Souza Lima

    é assessor de desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia e aluno do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Ambiental da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia.

29 de novembro de 2020, 15h14

O homem, desde sempre, necessitou interagir com a natureza para conseguir os meios de sua sobrevivência, evolução e perpetuação como espécie. Isso é um fato e é absolutamente natural, pois não existe possibilidade de as formas de vida progredirem sem que interajam umas com as outras, porém, como tudo, é a medida dessa interação e intervenção que determinará a noção de limite.

Vivemos a era do antropoceno, aquela em que as ações humanas são determinantes para as modificações na natureza e na estrutura ecológica do planeta como um todo, resultando em um meio modificado e rumo a uma desestabilização grave em várias regiões do mundo.

A partir da constatação, em meados do século passado, de que a forma como consumimos os recursos da natureza poderia ser a nossa própria ruína, surgiram movimentos de justiça ambiental, buscando garantir proteção e integridade à natureza, porém, sempre com uma visão antropocêntrica, ou seja, com viés utilitarista e focado apenas no ser humano.

A partir desses movimentos de justiça ambiental, passamos a discutir a forma de utilizar os recursos e quais limites deveríamos estabelecer; surgiu, então, um movimento global de reação à degradação desmedida da natureza, fato que resultou, após discussões no âmbito internacional, na Convenção de Estocolmo de 1972, marco na questão ambiental e a partir do qual irradiou-se um cabedal de legislações ao redor do mundo.

Passados quase 50 anos desse importante passo, digamos inicial, o mundo experimenta um aumento de situações que indicam que já ultrapassamos vários limites do ponto de vista ambiental, como mencionado por Melissa Ely Macedo [1], que indica como exemplo, em nota, danos à camada de ozônio, extinção de espécies, poluição química, perda de integridade biológica, eventos climáticos extremos etc.

A partir da constatação de tais fatos, infere-se que a ação humana interfere em aspectos não mais relacionados apenas ao nosso cotidiano, mas, sim, em toda biosfera, agredindo todos os meios e formas de vida, humana ou não humana.

Atentos a isso, é necessário partirmos para uma nova forma de encarar e trabalhar o Direito Ambiental, ou seja, a partir de uma abordagem ecológica, que agregue ações capazes de compreender que o homem não pode simplesmente intervir na natureza sem considerar todo o ecossistema que o rodeia.

As leis que venham a surgir devem considerar que estamos inseridos em um plano maior, que precisamos não apenas de um meio ambiente equilibrado, mas, sobretudo, de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, atento ao comando do artigo 225 da Constituição Federal.

Essa percepção já aparece na jurisprudência pátria, como se observa no julgamento do AgInt no AREsp 1.382.830/SP, de relatoria da ministra Assusete Magalhães, julgado em 15/6/2020, no qual, atenta à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca do novo Código Florestal brasileiro, menciona que tal norma: "(…) Não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de  transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da 'incumbência' do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (artigo 225, §1º, I) (…)" (grifos do autor).

Observa-se uma clara tendência em estabelecer que as normas devem estar de acordo com este paradigma constitucional de se buscar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, ou seja, fora da visão antropocêntrica, e, sim, atento a uma noção biocêntrica de proteção, preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais.

Sabemos que a produção legislativa, embora pródiga em nosso país, por vezes, em temas relevantes, é lenta, algo natural e previsível, pois o processo legislativo deve ser pensado e, sobretudo, participativo.

Não obstante, pensamos que, ao atuarmos no combate aos danos causados ao meio ambiente, devemos ter uma nova perspectiva interpretativa das normas que hoje já estão à disposição.

Nesse aspecto, sobretudo no âmbito processual, é preciso rever a interpretação dada a institutos como a inversão do ônus da prova, teoria da carga dinâmica do ônus probatório e nexo de causalidade, por exemplo.

É preciso pensar que, ao enfrentar grandes problemas que afetam o meio ambiente e, portanto, a coletividade de indivíduos, local, regional ou globalmente considerados, devemos entender que a relação humana se dá num contexto ecológico maior, que afeta outras formas de vida, humanas ou não, de modo que deve-se perquirir a melhor forma de se produzirem as provas, se é possível inverter o ônus probatório, com base em uma noção de causalidade probabilística, impondo a quem provavelmente causou a ofensa e tem melhores condições técnicas/financeiras de trazer os elementos hábeis a comprovar o nexo causal, ou sua ausência, entre a ação do suposto poluidor e o dano experimentado, tudo dentro de um contexto de boa-fé processual (artigos 5º, 6º, 7º e 8º, todos do CPC).

Assim, nestas breves considerações, percebemos a necessidade de encararmos os problemas ambientais sob uma nova perspectiva, mais biocêntrica e focada num aspecto ecológico, no qual se pensam em soluções que atendam aos interesses do ser humano, não somente, mas em conjunto com as demais formas de vida e sistemas biológicos, utilizando das ferramentas processuais com uma nova matiz interpretativa e de aplicação dos conceitos já vigentes, especialmente no tocante ao campo probatório e no que toca à configuração do nexo de causalidade.


[1] A ecologização do Direito Ambiental vigente: rupturas necessárias / José Rubens Morato Leite (coordenação científica) — 2. ed. — Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. cap. 1, p. 3-4.

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