Na noite da última quarta-feira (25/11), o Plenário do Senado Federal aprovou o substitutivo do senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) ao Projeto de Lei nº 4.554, de 2020, de autoria do senador Izalci Lucas (PSBD-DF), que pretende promover significativas alterações na disciplina do delito de furto (artigo 155 do Código Penal).
Entre elas, propõe a inserção de modalidade de furto qualificado quando cometido por meio eletrônico ou informático e cominando pena mínima de quatro e máxima de oito anos de reclusão e multa (potencial §8º). O PL prevê ainda que essa pena seja aumentada em um a dois terços se o crime for praticado mediante o uso de servidor mantido fora do Brasil, bem como em um terço ao dobro se for praticado contra pessoa idosa ou vulnerável (potencial §9º).O motivo apresentado pelo autor do PL, senador Izalci Lucas, foi que a crise causada pela pandemia da Covid-19 "fez aumentar drasticamente o número de fraudes cometidas de forma eletrônica, gerando perdas bilionárias aos consumidores e ao mercado", crimes que teriam atingindo, inclusive, os beneficiários do auxílio emergencial do governo federal. O PL segue, agora, para a análise da Câmara dos Deputados.
É preciso, pois, apontar para o inescusável descuido do nosso legislador em matéria penal, que vem sendo repetido com preocupante frequência: a desproporcionalidade conferida ao montante de pena cominada aos crimes contra o patrimônio em comparação com outros crimes cujos valores tutelados são ainda mais importantes, como é caso dos crimes contra a vida.
Explico: a pena mínima do crime de lesão corporal seguida de morte (artigo 121, §3º, CP), por exemplo, é a mesma do furto qualificado que se pretende incluir no CP, porém, de um lado, a tutela penal recai sobre a vida humana, e de outro lado, sobre a propriedade privada. Paradoxalmente, é o nosso legislador dizendo, nas entrelinhas, que o patrimônio é tão valioso quanto a vida do homem e do cidadão.
Cronologicamente, no que se refere aos crimes patrimoniais, o nosso legislador, por meios das Leis nº 9.426, de 1996, nº 13.330, de 2016, e nº 13.654, de 2018, e sob bases capitalistas sólidas, vem despontando, dia após dia, num progressivo recrudescimento punitivo, hipervalorizando a propriedade privada, virando a nossa Constituição da República de ponta-cabeça, sobretudo quando sobrepõe o direito ao patrimônio aos direitos e garantias fundamentais insculpidos no artigo 5º. Patrimônio, patrimônio e mais patrimônio.
Sabemos que a proporcionalidade é a medida do justo, do necessário, é medida a evitar abusos, excessos, é fazer com que nenhuma restrição a direitos e garantias fundamentais tome dimensões desequilibradas. Proporção é equilíbrio, harmonia e simetria. Proporção é coerência. É preciso, pois, que o direito se paute, como vai dizer o filósofo mexicano Luís Recaséns-Siches, pela lógica do razoável.
O legislador infraconstitucional, uma vez mais, parece não adotar critérios, não ter justas medidas e legislar ao sabor dos acontecimentos mais recentes, sem cautela, apressado e com sanáveis imprecisões técnicas. Não se olvida a importância de prever tutelas penais aos comportamentos praticados nos meios virtuais, mas é preciso observar e garantir o princípio da proporcionalidade, especialmente em matéria penal e processual penal.
Portanto, ao que parece, o novel tipo penal proposto pelo Senado Federal é desproporcional apenado, pois acaba por colocar o patrimônio privado em pé de igualdade axiológica com outros bens jurídicos tão ou mais valiosos para a pessoa humana e para a sociedade, como a vida, a integridade física, entre outros. É preciso, pois — partindo de um interessante aforismo —, tomar cuidado para não tornar os sapatos mais valiosos do que os nossos pés.