Opinião

O direito à isenção de IR dos trabalhadores acometidos por câncer

Autores

  • Hugo Póvoa

    é auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Distrito Federal e advogado do escritório Mesquita Póvoa Advocacia.

  • Diogo Póvoa

    é sócio administrador do Mesquita Póvoa Advocacia pós-graduado em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília e especialista nas áreas de Direito Constitucional e Administrativo.

28 de novembro de 2020, 17h16

Em momentos complexos, em que as doenças graves acometem trabalhadores, o desconhecimento dos direitos, ao que parece, torna-se ainda mais latente, especialmente entre os aposentados.

Entre as doenças graves mais comuns está a neoplasia maligna, popularmente conhecida como câncer.

Muitos são os trabalhadores, aposentados, que poderiam se beneficiar da isenção de Imposto de Renda sobre os seus proventos, mas sequer têm conhecimento de tal direito.

Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca) [1], as estatísticas indicam mais de 625 mil novas pessoas acometidas por câncer somente em 2020. Ou seja, há um grande universo de trabalhadores, aposentados, que podem requerer a isenção, mas não o fazem por desconhecimento.

A Lei nº 7.713/88, na redação dada pela Lei nº 11.052/2004, ao regulamentar as hipóteses de isenção de Imposto de Renda, prescreve que ficam isentos do Imposto de Renda os proventos de aposentadoria dos trabalhadores acometidos por neoplasia maligna, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma.

Como se pode observar, a redação do artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 concede isenção aos proventos de reforma ou aposentadoria aos portadores do rol de moléstias profissionais, o que inclui o câncer.

Ou seja, já tendo o trabalhador sido diagnosticado, por meio da medicina especializada, com câncer, quando da sua aposentadoria, deve ter reconhecido o seu direito à isenção do Imposto de Renda.

No entanto, surgem alguma dúvidas:

1) Fui diagnosticado com câncer, fiquei isento, mas, após cinco anos, como já estava curado, perdi a isenção. Está correto? A resposta é não. Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça [2], a isenção não se aplica somente àqueles trabalhadores aposentados que permanecem acometidos das doenças, mas também àqueles que a doença não está em plena atividade, pois a lei não prevê qualquer exigência quanto à demonstração de contemporaneidade dos sintomas ou comprovação reincidente da enfermidade para a manutenção da isenção.

Assim, independentemente de o câncer estar ou não em atividade, o trabalhador aposentado faz jus, mesmo que não tenha sido realizada uma nova avaliação médica, uma vez que o espírito da lei é o de justamente favorecer o tratamento, ainda que seja para impedir sua nova manifestação no organismo.

A própria Procuradoria da Fazenda Nacional, no Ato Declaratório nº 05/2016 e no Parecer PGFN/CRJ/Nº 701/2016, decidiu que "as ações judiciais fundadas no entendimento de que a isenção do imposto de renda sobre os proventos de aposentadoria, reforma ou pensão, percebidos por portadores de moléstias graves, nos termos do artigo 6º, incisos XIV e XXI, da Lei nº 7.713, de 1988, não exige a demonstração da contemporaneidade dos sintomas, nem a indicação de validade do laudo pericial ou a comprovação da recidiva da enfermidade".

2) A isenção de IR me desobriga à apresentar declaração anual? A isenção relativa à doença grave especificada em lei não desobriga, por si só, o contribuinte de apresentar declaração (Instrução Normativa RFB nº 1.924, de 19 de fevereiro de 2020).

3) Fui acometido pelo câncer enquanto estava em atividade (antes de me aposentar). Posso requerer a isenção do Imposto de Renda quando me aposentar? A resposta é sim. O artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 não traz qualquer limitação nesse sentido. Inclusive prevê que a doença pode ser "contraída" depois da aposentadoria, sendo, portanto, possível que o trabalhador tenha sido acometido ainda na atividade e requeira quando na inatividade.

4) O médico especialista emissor do laudo médico precisa ser integrante de serviço médico oficial da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos municípios? A resposta é não. Não obstante a Lei nº 9.250/95 estabelecer em seu artigo 30 que a moléstia grave deva ser atestada por laudo pericial emitido por serviço médico oficial da União, o Superior Tribunal de Justiça já sumulou (Súmula 598 do STJ) [3] no sentido de dispensar a avaliação médica oficial da Administração quando o magistrado aferir suficientemente comprovado pelos laudos não oficiais a deficiência ou enfermidade da parte.

Caso haja um requerimento administrativo, citado na dúvida seguinte, pode ser que a Administração realize perícia, a fim de analisar as condições de saúde, mas, em caso de judicialização, os laudos particulares podem ser suficientes.

5) Tive câncer e nunca solicitei qualquer isenção de IR. O que fazer? Para os servidores públicos aposentados, muitos órgãos podem conceder a isenção por meio de requerimento administrativo. Inclusive, em caso da correta solicitação, é possível a retificação da declaração de Imposto de Renda retido na fonte (DIRF) e a devolução de até cinco anos retroativos aos descontos realizados.

No entanto, em muitos casos, faz-se necessária a judicialização para que haja a suspensão dos descontos de IR e, eventualmente, o ajuizamento para cobrança dos valores retroativos.

Importante destacar que o mesmo raciocínio aplicado ao câncer pode ser aplicado às seguintes doenças previstas taxativamente no artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88: "Tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida".

O presente artigo tem a intenção de esclarecer e informar os direitos de milhares de trabalhadores, aposentados, acometidos por doenças graves (especialmente o câncer) que possuem o direito à isenção de IR e sequer têm ciência.

 


[2] JURISPRUDÊNCIA: MS 21.706/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2015, DJe 30/09/2015; MS 15.261/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/09/2010, DJe 05/10/2010; AgRg no AREsp 371.436/MS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/04/2014, DJe 11/04/2014; AgRg no AREsp 436.073/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 06/02/2014; REsp 1235131/RS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 25/03/2011; AgRg no AREsp 701.863/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2015, DJe 23/06/2015; AgRg no REsp 1403771/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/11/2014, DJe 10/12/2014; AgRg no AREsp 436.268/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/02/2014, DJe 27/03/2014; RMS 47.743/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/06/2015, DJe 26/06/2015; AgRg no AREsp 701.863/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/06/2015, DJe 23/06/2015.

[3] Súmula 598/STJ. "É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova".

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    é auditor de controle externo do Tribunal de Contas do Distrito Federal e advogado do escritório Mesquita Póvoa Advocacia.

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    é advogado, sócio-diretor do Instituto Verbalize, pós-graduado em Direito Público pelo Centro Universitário de Brasília e especialista nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo e Sindical.

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