Opinião

Ideb, execução orçamentária e improbidade administrativa

Autor

  • Mário Augusto Silva Araújo

    é advogado mestre em Constituição e Garantia de Direitos e Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e professor de Direito Administrativo e Financeiro.

28 de novembro de 2020, 13h15

Com o advento das eleições municipais, eleitos os novos prefeitos da federação, é importante que o seu plano de governo volte atenção para o direito à educação, também afetado pela pandemia e a retomada do calendário escolar presencial, que envolve uma articulação com políticas públicas correlatas ao federalismo sanitário, é um desafio importante para os gestores municipais.

O planejamento daquele serviço público é um tema afeto especialmente ao Poder Executivo, mas, caso os gestores públicos não apresentem um plano de retorno às aulas, possivelmente o Ministério Público dedique atenção à sua atividade de fiscal da lei, o que possibilita o raciocínio de que provavelmente a educação seja judicializada,

A efetivação do direito à educação envolve ações de cunho eminentemente orçamentário, como a indexação orçamentária mínima (artigo 212 CF) e a obrigatoriedade de pagamento do piso salarial do magistério (artigo 212-A CF) e, para isso, existe uma fonte de custeio que é específica da educação: o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

Em virtude da garantia constitucional em relação ao custeio daquela ação administrativa, é preciso ter foco em uma política de resultados daquele serviço público, inclusive porque uma das diretrizes constitucionais em relação ao direito à educação é a erradicação do analfabetismo (artigo 214, inciso I).

Ora, proporcionar o acesso à educação à população brasileira também é uma forma de garantir o desenvolvimento nacional, o que é um objetivo fundamental da República, nos termos do artigo 3º, inciso II, da Constituição Federal.

O não acesso pleno ao direito à educação, conforme ensina Amartya Sen, é uma forma de privação de liberdade e sobre o tema é sempre bom lembrar o pensamento de Maria Paula Dallari Bucci, que provoca a seguinte reflexão: "Como poderia, por exemplo, um analfabeto exercer plenamente o direito à livre manifestação do pensamento?".

Assim, não se deve esperar do gestor público tão somente a destinação financeira determinada pela jurisdição constitucional. É preciso que sejam cobrados resultados e, nesse panorama, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), instituído nos termos do artigo 3º do Decreto nº 6.094/2007, é uma ferramenta pela qual se pode aferir a qualidade dos serviços públicos correlatos à educação de maneira objetiva:

"Artigo 3º — A qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no Ideb, calculado e divulgado periodicamente pelo Inep, a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil)".

Se a qualidade do gasto com a educação básica é aferida com critérios objetivos a partir de uma análise cartesiana do rendimento escolar, logo, aquele resultado deve ser levado em consideração na formação de agenda das políticas públicas correlatas àquele direito, sobretudo no que diz respeito à alocação orçamentária.

Inclusive por monitorar resultados sobre a aplicação de recursos públicos, é importante lembrar a vinculação temática que o Ideb possui com a eficiência administrativa, o que atrai a jurisdição da lei de improbidade administrativa para os gestores municipais que não atinjam as metas estipuladas pelo Inep.

Em relação à eficiência administrativa, Flávio Garcia Cabral entende aquela obrigatoriedade como a "seleção de um meio adequado à satisfação das finalidades legais" e, nesse sentido, uma ferramenta de mensuração de resultados e, portanto, de eficiência no campo do direito à educação, além do Ideb, são os recursos públicos disponibilizados ao custeio daqueles direitos fundamentais sociais.

Em decorrência da estrutura jurídica do Ideb, por ser de caráter objetivo e que leva em consideração o desempenho dos alunos, o seu resultado abaixo do estimado pelo Inep não permite a imputação de ato de improbidade administrativa com base na tese do administrador inábil.

Isso porque como o Ideb é um índice calculado a partir do rendimento escolar e desempenho dos alunos, o resultado daquela ferramenta, por si, não pode constituir elemento probatório para fins de imputação de ato de improbidade administrativa por causa do seu público-alvo: os alunos, e não o gestor.

É preciso, portanto, instrução probatória apta a comprovar negligência.

Em relação à tipificação de improbidade administrativa, é importante lembrar que recentemente entendeu o Superior Tribunal de Justiça que a diligência do gestor público "não se limita à sua convicção pessoal sobre a licitude, abrangendo, também, a observância de um padrão mínimo esperado no âmbito da Administração Pública, tendo em vista o objetivo primordial de atender o interesse público" (AgInt no AREsp 1657171/MT. Relatoria do ministro Francisco Falcão. Órgão julgador: 2ª Turma. Data do julgamento: 26/10/2020. Data da publicação: DJE 28/10/2020).

E como caracterizar o dolo genérico nos casos de baixo índice do Ideb? Através da execução orçamentária porque a comprovação de baixa efetividade orçamentária em ações instrumentais que custeiem os meios de atingimento do Ideb não pode ser vista como mera irregularidade e, com fundamento no princípio da eficiência administrativa, deve resultar na imputação de ato de improbidade administrativa.

Isso porque ao gestor público o sistema constitucional possibilita o custeio das atividades-meio correlatas à educação, como, por exemplo, ações de manutenção e desenvolvimento do ensino, bem como suplemento da União em relação ao piso salarial do magistério através do Fundeb.

Dessa forma, se o agente público sabe que tem uma meta a ser cumprida e que há insumos financeiros específicos para o atingimento daquele fim, como despesas correntes, bem como a garantia da despesa pública com pessoal, logo, deve ser responsabilizado caso o Ideb do ente federado ao qual é vinculado não atinha o previsto, se constatada baixa efetividade na execução orçamentária.

O Direito Financeiro proporciona elemento probatório de cunho objetivo para fins de imputação de ato de improbidade administrativa e, nesse contexto, a execução orçamentária é instrumento capaz de comprovar nexo causal entre o baixo índice do Ideb e a ilegalidade qualificada com fundamento no artigo 10, caput, da Lei .8429/1992.

Aos prefeitos eleitos, portanto, recomenda-se atenção sobre a escolha alocativa dos recursos do ente que administrarão porque os mesmos são estratégias para o atingimento dos índices do Ideb, sob pena de eventual suspensão dos direitos políticos.

 

Referências bibliográficas
BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In Políticas Públicas: Reflexões sobre o Conceito Jurídico (Maria Paula Dallari Bucci, org.). Editora Saraiva. São Paulo/SP: 2006.

CABRAL, Flávio Garcia. O conteúdo jurídico da eficiência administrativa. Editora Fórum. Belo Horizonte/MG:2019.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Editora Companhia das Letras. São Paulo/SP: 2010.

Autores

  • é advogado, professor de Direito Administrativo e Financeiro, mestre em Constituição e Garantia de Direitos e especialista em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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