Diário de Classe

Os 90 anos da revolução de 1930

Autor

  • Danilo Pereira Lima

    é professor do curso de Direito do Centro Universitário Claretiano de Batatais (Ceuclar) doutor e mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) membro do grupo de pesquisa Hermenêutica Jurídica vinculado ao CNPq e do grupo DASEIN — Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

28 de novembro de 2020, 8h00

Este ano a revolução de 1930 comemorou seus 90 anos. Iniciada em 3 de outubro e concluída em 3 de novembro daquele mesmo ano, data em que Getulio Vargas assumiu a chefia do governo provisório, a revolução marcou o fim da Primeira República e o início da modernização conservadora do Estado brasileiro. Antes da ascensão de Vargas, o Brasil era dominado por interesses meramente provincianos, com um sistema político composto por partidos destituídos de qualquer base nacional. A noção de nacionalidade brasileira ainda não havia se consolidado em um país de economia agrária que, durante o século 19, alcançara o difícil objetivo de manter a sua integridade territorial, mas que, no começo do século 20, ainda encontrava-se fragmentado por interesses políticos meramente locais.

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Quando Getulio assumiu a Presidência da República, o Brasil ainda não havia se consolidado como Estado nacional. Era preciso concluir a obra iniciada logo após o processo de independência por alguns políticos do Império, como foi o caso de José Bonifácio, Visconde do Uruguai, Marquês de Caravelas, Bernardo Pereira de Vasconcelos e tantos outros que impediram a divisão do território brasileiro. Numa época em que nossos vizinhos continentais vinham se fragmentando em oposição à ideia de "pátria grande" de Simón Bolívar; o Brasil conseguiu impedir que movimentos autonomistas prevalecessem em suas diferentes províncias. Entre a "pátria grande" de Bolívar — que deveria ser mantida por meio de uma ditadura presidencial — e o absolutismo monárquico dos "pais fundadores" do Brasil — que no caso foi sustentada por meio do Império —, a tese em comum era o uso da centralização política como o primeiro passo para a formação de um Estado nacional forte. Com a diferença de que Bolívar era republicano, enquanto os brasileiros eram monarquistas.

O processo de construção do Estado nacional brasileiro só se consolidou com Getulio Vargas. Ao assumir o governo provisório no final de 1930, Vargas iniciou um longo caminho de reformas políticas, sociais e econômicas que indicaram um novo rumo para o país. Foi a partir de 1930 que o Brasil se industrializou; que a questão social passou a ser encarada como um problema de governo; que as massas passaram a ser percebidas pelo processo político; que as mulheres passaram a votar; que a comissão de verificação eleitoral do Poder Legislativo deu lugar à Justiça Eleitoral; etc. No entanto, se por um lado não podemos deixar de reconhecer a importância de todas essas reformas para a construção de um Brasil moderno, por outro lado também não podemos nos esquecer do autoritarismo político presente no período. Diante dessa dualidade, Lira Neto escreveu que, "de 1930 a 1945, as intolerâncias, violências e perseguições do regime getulista deixaram marcas traumáticas na vida do país". "Mas esse mesmo intervalo de tempo também serviria para arrancar o Brasil de uma condição essencialmente agrária, transformando-o em uma nação com aspirações urbanas e industriais […]"[2].

A partir de 1930, Vagas governou o país durante 15 anos ininterruptos. Foram muitos os casos de prisão política, tortura e censura da atividade jornalística. Nem mesmo em 1934, quando foi promulgada uma Constituição de perfil mais liberal, o governo Vargas deixou o autoritarismo político de lado. Um exemplo foi a criação do Tribunal de Segurança Nacional, que no caso foi um Tribunal de exceção criado após o levante comunista de 1935 e que tinha como objetivo reprimir as ações de adversários políticos classificados como inimigos do regime. Foi nessa conjuntura que o Estado brasileiro entregou a comunista e judia Olga Benário para ser morta em um campo de concentração pelos nazistas.

O caráter autoritário da revolução de 1930 acompanhou os ventos antidemocráticos que sopravam naquele período, com a ascensão do fascismo na Itália (1922), do salazarismo em Portugal (1932), do nazismo na Alemanha (1933) e do franquismo na Espanha (1939). Apesar de todas as diferenças e particularidades de cada movimento político, todos tinham em comum a aversão pela democracia e marchavam nas fileiras do antiliberalismo e do anticomunismo. Algo expressado de forma muito intensa por pensadores de diferentes correntes da intelectualidade conservadora brasileira, como Otávio de Faria, Azevedo Amaral, Gustavo Barroso, Miguel Reale, Francisco Campos, Oliveira Viana, etc. Nesse sentido, durante a década de 1930, seja no cenário nacional ou internacional, não faltou base ideológica para que Vargas atacasse as noções de separação dos Poderes, de limitação do exercício do poder e de liberdades fundamentais próprias do constitucionalismo democrático.

Por exemplo, com inspiração em Oliveira Viana, Vargas entendeu que o Brasil real era muito diferente do país propugnado pelo idealismo constitucional dos herdeiros intelectuais de Rui Barbosa. Nessa perspectiva, a simples importação dos modelos constitucionais liberais de outros países não serviria como solução para a falta de organicidade da sociedade brasileira. Vargas, que durante a juventude já era adepto de ideias autoritárias por influência do positivismo político e do castilhismo; na Presidência da República — e influenciado por intelectuais como Viana — entendeu que o Brasil moderno seria obra da centralização política. Ou seja, se a sociedade era inorgânica e fragmentada por interesses oligárquicos provincianos, Vargas — que por sinal também pertencia a uma família de oligarcas — faria do poder central o grande demiurgo da nação brasileira.

A revolução de 1930, com suas realizações e contradições, foi a porta de entrada do Brasil no mundo moderno. Hoje, 90 anos após a ascensão de Vargas ao poder, diversos aspectos da Revolução ainda precisam ser analisados. Principalmente do ponto de vista jurídico, já que muitos juristas colaboraram com o regime getulista tanto na elaboração de um Direito Constitucional autoritário[3] — seja no governo provisório, no regime da Constituição de 1934 ou durante a Constituição de 1937 —, quanto na construção de uma legislação social que não pode ser vista, de forma reducionista, como resultado apenas das influências do corporativismo fascista italiano. Decifrar estes caminhos e descaminhos jurídicos é tão difícil quanto entender as ambiguidades políticas da Revolução de 1930. Porém, se queremos compreender melhor a trajetória constitucional brasileira, a construção do Estado nacional e a constante luta para a afirmação das liberdades fundamentais, os tempos turbulentos da década de 1930 certamente precisam ser revisitados.                                

[2] NETO, Lira. Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 523.

[3] ROSENFIELD, Luis. Transformações do pensamento constitucional brasileiro: a história intelectual dos juristas da era Vargas (1930-1945). Tese (Doutorado em Direito Público). Programa de Pós-Graduação em Direito, Unisinos. São Leopoldo-RS, 2019.

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