Franquia da franquia "lava jato"

Agora à frente da greenfield, Tres diz que procuradores tentaram retaliar Aras

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28 de novembro de 2020, 12h04

O procurador da República Celso Três, lotado na unidade do Ministério Público Federal em Novo Hamburgo (RS), será o novo procurador natural dos casos em investigação sobre possibilidade de fraudes em fundos de pensão, no que a Procuradoria batizou como operação greenfield. Os processos mais adiantados, em que já foi apresentada denúncia, serão redistribuídos internamente.

Spacca
O cargo de procurador natural da operação ficou vago após a saída do procurador Anselmo Lopes, que pediu para ser transferido a outro ofício dentro da Procuradoria da República no Distrito Federal. Em mensagem de despedida, Anselmo argumentou que a gestão de Augusto Aras, à frente da Procuradoria-geral da República, não dava estrutura para o grande acervo da operação e, por isso, decidiu deixar o caso.

No despacho que nomeou Tres, a PGR deu o prazo de 60 dias para que os procuradores integrantes da força-tarefa auxiliem o novo procurador, para que se defina se a força-tarefa continuará a existir. Também deu ao novo procurador a autonomia para decidir se alguma investigação do caso seria redistribuída para outro procurador.

Em rápida entrevista à ConJur, Tres diz que houve uma tentativa de retaliação à gestão de Aras. "O surreal é que abandona-se e, paralelamente, acusa-se a chefia de intervir, acabar com a apuração. Algo inconcebível, passível de severa punição em qualquer País sério. Aqui, quiçá possa ser enxergado pelo CNMP [Conselho Nacional do Ministério Público]."

ConJur — O senhor pode nos pode adiantar o que pensa ou o que pode fazer nesta nova função?
Celso Tres — 
Função, não, cadeira elétrica. Não é à toa que ninguém quer.

A [operação] greenfield tem cerca de quatro anos. À frente dela com desoneração de seu ofício ordinário e compondo com outros procuradores da República, Anselmo Cordeiro. Trabalho vultoso, competente e meritório, consoante atestam os noticiários do período. Todavia, por meio de manobra com a chefia da Procuradoria da República do Distrito Federal, permuta de ofício, deixou órfã, no limbo a operação. Na prática, abandono sob o pretexto de que a PGR não disponibiliza recursos humanos e materiais necessários ao desempenho da tarefa.

Agora, no último dia 4, Anselmo veio à rede interna do MPF dizendo que precisaria de 15 procuradores com dedicação exclusiva, algo inimaginável em qualquer instância do Ministério Público brasileiro.

Em 9 de novembro, Anselmo teve o despropósito de vir à rede e lançar um edital, espécie de concurso entre os procuradores, os quais deveriam enviar currículo à sua apreciação, inscrevendo-se então à greenfield.

Na verdade, retaliação à gestão do PGR Augusto Aras. O surreal é que abandona-se e, paralelamente, acusa-se a chefia de intervir, acabar com a apuração. Algo inconcebível, passível de severa punição em qualquer País sério. Aqui, quiçá possa ser enxergado pelo CNMP.

Atitude essa, renúncias de forças tarefas, ameaçado pela "lava jato" de Curitiba e consumada pela "lava jato" de São Paulo. Este tema então em debate, escrevi, em 30 de setembro, na rede do MPF:

"Data maxima venia aos ilustres — deveras destacados! — Membros(a) da FTs que têm renunciado, erro monumental.
Nosso múnus não é discricionário, é vinculante. Nossa independência é de 'opinio delicti', jamais de encargo.
Isto, renúncia, notadamente pautado por ideais, desconformidades doutrinárias, irresignação com nomeações de chefias emanadas da competência política é, precisamente, própria desse mundo político, nunca da Justiça, especialmente a quem segue vitalício no erário."

Trocando em miúdos, Sergio Moro quebrando pratos com Bolsonaro, ele vai embora, demitido. Nós, procuradores da República, não, continuamos recebendo vencimentos pelo trabalho que, no caso da greenfield, foi negada execução.

Além disso, a gestão do PGR Aras dotou as forças tarefas de caráter impessoal, republicano, obediente ao devido processo legal.

Até então, em síntese, os procuradores das forças tarefas tinham escolha "intuito personae" do procurador natural, ensejando toda sorte de distorções possíveis. Entre elas, membros que, na prática, são assessores chefiados pelo "coordenador". Procuradores que deveriam oficiar nos rincões remotos do Brasil encontrando na lotação provisória em centros mais aprazíveis, subordinando-se então seu ofício à vontade alheia.

Agora, precisando de força tarefa, o procurador natural justifica à administração superior e ela abre edital nacional para interessados.

Atuação da força tarefa deve ser verdadeiramente horizontal, sem protagonismos individuais, seja a que título for (coordenador, estrategista, porta-voz, coaching, palestrante  …), realidade esta explicitado na arquitetura/estética do trabalho, subscrição de denúncias em ordem alfabética, consoante, aliás fez o PGR na portaria que nomeou este grupo da greenfield, manifestações à imprensa igualmente a todos.

ConJur —  O senhor foi o único a manifestar interesse na nova coordenação da greenfield. Há alguma razão pelo desinteresse dos demais procuradores?
Tres — 
Na verdade ninguém, inclusive eu, quer a greenfield.

Consoante referi, na inscrição nacional aberta a todos os membros, apresentei minha disposição em colaborar na greenfield, apenas mais um entre dezenas, nunca pretendendo a titulação.

Quando comunicado da designação, exarei extensa fundamentação sobre a inconveniência da PGR fazê-lo, dado, precisamente, os previsíveis ataques à administração em razão de minhas críticas à "lava jato".

Nunca procedi qualquer crítica à greenfield. Pelo contrário, na rede, várias vezes louvei atuação do colega Anselmo Cordeiro, notoriamente competente. A única crítica que fiz foi justamente esta aqui repisada, qual seja, o indevido abandono da operação.

ConJur — A decisão, segundo o MPF, tem como propósito garantir a continuidade das investigações. Ela corria risco mesmo?
Tres — 
De fato, a greenfield foi abandonada pelo procurador natural. Então, a inércia era inelutável.

Sem estrutura própria, atuando à distância em acúmulo à faina do próprio ofício, sem desoneração, precisamos ampliar significativamente o grupo de procuradores, de forma que seja aliviado a quota individual. Isso que estamos em busca, ou seja, apelando à colaboração de todos os colegas quem pretendam partilhar a empreitada.

A ideia, inclusive, é que, uma vez estabilizado o trabalho, façamos alternância na designação do procurador natural, ensejando a todos partilhar da responsabilidade.

ConJur — Já tem um dimensionamento da força de trabalho necessária?
Tres — Bem, Anselmo disse que precisariam 15 procuradores com dedicação exclusiva. Temos nenhum. Todos acumulam seu mister. Vamos em busca de mais adesões.

Precisamos ter foco na reparação do dano, atendimento às vítimas, aposentados, pensionistas lesados. Eles têm prioridade.

ConJur — O MPF deixou claro que o novo procurador natural poderá devolver os feitos que se afastarem do núcleo duro da operação (fundos de pensão). Há muito desvio de foco?
Tres — 
Como é natural das investigações, movido pelo profícuo intento de descortinar ilícitos, amplia-se em demasiado o objeto inicial, deixando de declinar a outras autoridades a apuração, de forma que a demanda exceda a logística disponível. Além disso, sabido que tudo tem seu tempo (gregos: cronos e kairos), cujo vencimento soçobra na natural fadiga dos metais.

Assim, caso de rever se a destinação de algumas apurações, além da atribuição/competência, seriam mais eficazes em outras instâncias.

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