Olhar Econômico

A pesquisa jurídica pode e deve avançar

Autor

  • João Grandino Rodas

    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP da qual foi diretor mestre em Direito pela Harvard Law School mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

26 de novembro de 2020, 8h01

A lógica e a metodologia de pesquisa são imprescindíveis aos pesquisadores do Direito. Tendo em vista que uma introdução geral, relativa à lógica, já foi iniciada [1], é mister dar prosseguimento.

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Nas variadas áreas do saber, as pesquisas ocupam papel fundamental na produção de conhecimento. Cabe às instituições de ensino, públicas e privadas, aos institutos e às empresas a responsabilidade por tais iniciativas.

No Direito, tradicionalmente, seus operadores são educados para desenvolver pesquisas dogmáticas ou levantamentos jurisprudenciais nos tribunais, preocupando-se prioritariamente, com a exegese do texto normativo, sob o prisma da melhor doutrina. Muito embora tal espécie de pesquisa tenha seu valor, impõe-se suplantar esse estágio.

Sem descuidar da tradicional cultura jurídica, quatro estudiosos têm-se dedicado ao tema: Maria Tereza Sadek, Fabiana Luci de Oliveira, Luciano Timm e Tomás Troster. Esses docentes participam conjuntamente das disciplinas Metodologia da Pesquisa, Lógica e Argumentação e Análise Econômica do Direito no âmbito do Programa de Mestrado Profissional em Direito, Justiça e Impactos na Economia, do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), recém-iniciado [2],

Nas aulas, os docentes estimulam os participantes a elaborar projetos de pesquisa utilizando abordagens multimétodos, incluindo análise de dados qualitativos e quantitativos; e propiciando discussões interdisciplinares na área do Direito. A proposta é levá-los a construir diagnósticos da realidade em suas áreas de atuação, com o intuito de subsidiar soluções que conduzam ao aperfeiçoamento de sua prática. Nessa atividade os participantes são encorajados a formular perguntas de pesquisa de forma interdisciplinar, levando em conta estatísticas e informações contextuais, atentando-se aos impactos econômicos e sociais. Com isso, as soluções propostas adquirem potencial de responder de forma mais objetiva aos novos e constantes desafios suscitados pela sociedade e pelo Direito.

Nessa perspectiva, as pesquisas passam a ter compromisso com experiências e casos reais, estudados de forma sistemática e científica.

Como nos lembra a alegoria do mito da caverna, de Platão, o saber imediato, baseado exclusivamente nas experiências pessoais e no senso comum, pode ser enganoso. Para sair das sombras, é imprescindível recorrer à informação de qualidade. No que se refere ao Poder Judiciário, por exemplo, o relatório Justiça em Números, publicado anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2004, é fonte privilegiada de dados sobre a estrutura, litigiosidade, e desempenho de tribunais, varas e serventias [3].

Se tomados como referência isolada na construção de um diagnóstico do funcionamento do Judiciário brasileiro, podem levar a interpretações enviesadas. Isso não quer dizer que os números mintam, mas, sim, que é preciso conhecer seu alcance e suas limitações.

Essas disciplinas não objetivam formar estatísticos, economistas ou filósofos. Buscam, em conjunto, fornecer as ferramentas necessárias para um olhar crítico, embasado em fundamentos lógicos e científicos.

No âmbito do programa de mestrado do Cedes, a proposta é formar pesquisadores capazes de desenvolver, de forma adequada, pesquisas em Direito como resposta às questões concretas. Cabe analisar para tanto tópicos da metodologia de pesquisa e da lógica: 1) objetivos e métodos de investigação; 2) trabalho de pesquisa como discurso argumentativo; 3) lógica subjacente à produção acadêmica; 4) lógica indutiva e o trabalho de pesquisa; 5) pesquisa quantitativa: possibilidades e limitações; 6) definições e recursos lógicos no trabalho de pesquisa; e 7) pesquisa qualitativa.

Enquanto os cursos de graduação em Ciências Jurídicas formam operadores do Direito, conferindo os elementos basilares para sua atuação no dia a dia, o mestrado profissional nessa área fornece substratos para o desenvolvimento de pesquisas a serem efetuadas com rigor científico.

O cotidiano profissional de um operador do Direito, limitado a se importar unicamente com o lado da questão que o interessa, apresenta um conflito, à primeira vista inconciliável, com sua atuação como pesquisador. Lee Epstein e Gary King descrevem apropriadamente essa questão: "Enquanto um acadêmico é ensinado a submeter a sua hipótese a todos os testes e fonte de dados possíveis, buscando todas as provas e evidências contra sua teoria, um advogado praticante é ensinado a acumular todas as provas para comprovar a sua hipótese e desviar a atenção de qualquer coisa que possa ser vista como uma informação contraditória. Um advogado que trata um cliente como uma hipótese seria expulso; um acadêmico que defende uma hipótese como um cliente seria ignorado" [4].

O referido programa de mestrado profissional em Direito, Justiça e Impactos Econômicos do Cedes tem como propósito contribuir para o avanço da pesquisa jurídica, em moldes científicos, no Brasil. Em termos práticos, objetiva relegar pesquisas única e exclusivamente dedicadas a reproduzir compilações de textos doutrinários legais (preocupadas ou não com apenas um dos lados) para focar nos grandes temas jurídicos, a partir de dados numéricos e observado os reflexos econômicos e sociais ínsitos.

 


[1] Rodas, João Grandino, "Lógica e Direito na pesquisa científica", Revista Eletrônica ConJur de 12 de novembro de 2020.

[2] Rodas, João Grandino, "Mestrado para advogados e economistas de empresas", Revista Eletrônica ConJur de 3 de setembro de 2020

[3] Rodas, João Grandino, "Pesquisas do CNJ contribuem para a celeridade processual no país", Revista Eletrônica ConJur de 6 de julho de 2017.

[4] EPSTEIN, Lee & KING, Gary (2002) "The Rules of Inference". University of Chicago Law Review, 69 (1), pp. 9-10.

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    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, da qual foi diretor, mestre em Direito pela Harvard Law School, mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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