Opinião

INSS: um retrato atualizado do suposto 'CeAB-19'

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26 de novembro de 2020, 21h16

Em 17 de abril do presente ano, este periódico publicou um artigo com o título "O colapso do sistema do INSS: a pandemia da CeAB-19".

O artigo fazia uma análise da criação, por parte do INSS, da Central de Análise de Benefício (CeAB), ainda em 2019. Esse setor tem o objetivo de desterritorializar a distribuição de trabalho no sul do país, desvinculando, assim, os cumprimentos das decisões judiciais das unidades administrativas locais para então se criar uma equipe, de atribuição regional, de onde todos os servidores da autarquia passaram a retirar as suas tarefas para fins de  cumprimento.

À época da publicação do artigo, o TRF da 4ª Região adotou um plano emergencial: restringiu, temporariamente, os cumprimentos de decisões aos casos de implantação e restabelecimento de benefícios, acertando-se para tanto um prazo de 25 dias, e naquele momento apenas os pedidos de benefício por incapacidade seriam objeto de instrução, e paulatinamente a situação seria tratada, com o intuito de se reconstruir paulatinamente um quadro de normalidade, ou seja de cumprimento das decisões judiciais de maneira tempestiva.

O mencionado artigo fez inclusive trocadilho com a data de início das providências administrativas com o dia primeiro de abril, querendo sugerir, implicitamente, que a providência administrativa poderia ser, de alguma maneira, associada ao dia da mentira. Outra alusão jocosa foi feita em relação à sigla atribuída à equipe (CeAB), com a qual se extraiu a expressão de uma "pandemia da CeAb-19" no título e corpo do artigo.

Pois bem, já que passados sete meses desde a citada publicação, e levando-se em conta que ele aborda tema da maior relevância para toda a sociedade, é absolutamente oportuno e adequado retratarmos a todos os leitores o "atual estado da arte" do objeto da providência administrativa que foi adotada por parte do TRF da 4ª Região em relação ao assunto, ou seja, do grau de cumprimento das decisões judiciais na região sul do país.

No último dia 6, foi realizada reunião virtual do Fórum Interinstitucional Previdenciário 4ª Região, momento em que esse assunto foi abordado em profundidade.

Naquela oportunidade, a chefe da CeAB, Idesia Mais da Silva, apresentou uma prestação de contas não apenas aos atores institucionais ali presentes, mas a toda a sociedade brasileira. De pronto foi ressaltado que o objetivo mais urgente era o de se priorizar, em um momento inicial, em uma situação emergencial (início da pandemia da Covid-19), uma manutenção de renda para aquelas pessoas que estavam esperando a concessão dos benefícios, e que por isso houve a priorização das concessões e das implantações de benefícios. Narrou que a providência adotada pelo TRF 4ª Região, no sentido de zerar as tarefas pendentes de cumprimento, permitiu à equipe uma reorganização, e que em paralelo, se estabeleceu um produtivo diálogo interinstitucional envolvendo a CeAB, a OAB, a Procuradoria e o Poder Judiciário. Com isso, se possibilitou a construção, em conjunto, de soluções para o problema como um todo. A título de exemplo, é possível citar: 1) o estabelecimento de prazos uniformes, em âmbito regional, para o cumprimento de uma determinada tarefa; 2) o fato de as decisões passarem a trazer elementos "amigáveis" (mais claros para cumprimento, tais como DER, DIB, DIP etc.), com o que foram reduzidos os níveis de erros; e 3) em paralelo, realizou-se ainda uma forte capacitação dos servidores da CeAB.

Apresentado o relato, é chegado o momento de se contrapor os dados: no dia 30 de março, quando a CeAB iniciou o encerramento das tarefas, nos moldes em que determinado pelo TRF 4ª Região, o "estoque" existente no setor era de mais de 121.230 processos, sendo que, destes, aproximadamente 88 mil estavam em atraso — dados para toda a Região Sul.

Em outubro do presente ano, o "estoque" existente no setor já era da ordem de 43.444 tarefas (estas fechadas no mês), sendo que, desse montante, 2.289 foram fechadas com atraso (5,3% em atraso e 94,7% tempestivamente).

A preocupação principal da coordenadora da CeAB é manter o atraso em, no máximo, 5%, pois esse é um percentual justificável, visto que, para o cumprimento das decisões, eventualmente, a equipe depende também de outros fatores tais como sistema e agendas das agências.

O relato, feito em verdadeiro tom de prestação de contas, emocionou a todos os presentes, e o juiz federal Eduardo Picarelli salientou que os resultados apresentados "estão refletindo muito positivamente na prestação jurisdicional. Nesse momento de pandemia, foi fundamental para as pessoas que mais precisavam. O Ato Conjunto da Corregedoria e da COJEF e o Provimento 90 foram atos de profunda coragem e grande visão, praticados por grandes gestoras, a Des. Vânia e a Des. Luciane", e também que a forma de funcionamento da CeAB (regionalizada) está extremamente alinhada com a ideia de regionalização adotada na 4ª Região, pois hoje toda a matéria previdenciária está distribuída em todas as varas da 4ª Região, não existindo mais, necessariamente, uma vinculação da demanda previdenciária para com o local de residência do autor.

Também o juiz federal Erivaldo dos Santos, um dos principais responsáveis pelo ajuste entabulado, fez questão de registrar a importância do apoio e do envolvimento da Cojef e da Corregedoria em todo esse trabalho.

Da análise dos relatos é possível, felizmente, extrair a ilação de que não mais existe o quadro de descontrole administrativo que existia nos meses de março e de abril do presente ano. Ao contrário! O que se constata é que a situação relacionada ao cumprimento das decisões judiciais por parte do INSS, em toda a Região Sul, está atualmente em um contexto de normalidade.

Na reunião, o presidente do INSS, Leonardo Rolim salientou que considera a experiência como um modelo de relação interinstitucional. Este relato é de extrema importância, levando-se em conta o fato de o presidente ter total noção de como o órgão se relaciona com o Poder Judiciário também nas demais regiões.

Por fim, ainda merece registro a manifestação do presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-PR, o advogado Leandro Pereira, o qual salientou que o que se extrai de mais importante de todo este quadro "…. foi a abertura de portas de todos os lados e todos se ouvirem. Hoje já conseguiram alinhar muitos problemas com o INSS. Lembra que atrás do advogado existe o segurado que está buscando o seu direito".

A análise das várias falas nos leva à conclusão de que foi a escuta ativa que foi praticada por parte do TRF da 4ª Região que possibilitou a construção de uma solução que entregou resultados concretos e positivos para toda a sociedade.

O tempo transcorrido acaba por demonstrar que a associação feita no artigo de abril, em que se fez trocadilho do termo CeAB com a pandemia que atualmente nos acomete (Covid-19), foi absolutamente injusta. Ao  longo do ano de 2020, os atores institucionais que laboram na matéria previdenciária construíram uma solução que resolveu quase que completamente o problema do atraso no cumprimento de decisões judiciais.

Tempos de excepcionalidade demandam medidas administrativas igualmente excepcionais, e o resultado que ora resta relatado apenas demonstra o acerto da medida adotada por parte do TRF da 4ª Região.

A questão previdenciária não é de titularidade exclusiva do INSS, do Poder Judiciário, da procuradoria federal, da Ordem dos Advogados do Brasil, ou de qualquer outro órgão individualmente. A questão previdenciária é de titularidade de todos e cada um dos atores terá atuação de acordo com a sua vocação institucional em um determinado momento do processo, seja ele na esfera administrativa, seja ele na esfera judicial.

Digo isso apenas para ressaltar que quando todos esses atores se comportam de maneira colaborativa, com o intuito de entregar ao segurado ou ao jurisdicionado uma prestação rápida célere e eficaz, o resultado que encontramos é semelhante ao que resta aqui relatado.

Penso não ser mais adequado o exercício da jurisdição de maneira isolada, onde o magistrado apenas constata um eventual descumprimento de decisão por ele emanada, e se posiciona de maneira a, reiteradamente, aumentar uma penalidade para, com isso, atingir então a efetividade da sua decisão. Posicionamentos desta estirpe estão, com todo o respeito, em desacordo com as hodiernas necessidades de nossa sociedade.

De outra banda, posicionamentos colaborativos, de todos os atores institucionais, trazem ótimas entregas para a sociedade brasileira, e por isso devem ser prestigiados.

Absolutamente imprescindível, portanto, se registrar não apenas a coragem, mas principalmente o acerto, da decisão da Corregedoria Regional da Justiça Federal do TRF da 4ª Região (desembargadora federal Luciane Amaral Corrêa Münch), e da Coordenação dos Juizados Especiais Federais do TRF 4ª Região (desembargadora federal Vânia Hack de Almeida) de encamparem a proposta que lhes foi apresentada ainda em meados do presente ano.

O tom do artigo datado de abril dá bem a ideia do quão ousada foi a decisão. Quiséramos nós que os efeitos de uma "pandemia da CeAB-19" se espraiassem por todo o país, tal qual eles se espraiaram pela Região Sul, recuperando eficiência para a prestação deste relevante serviço público que é a seguridade social. Ótimo para os operadores do Direito — todos — mas, principalmente, ótimo para a sociedade brasileira!

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