Laicidade em Pauta

STF prossegue julgamento sobre mudança de data de concurso público por religião

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25 de novembro de 2020, 19h50

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ReproduçãoSupremo começa a julgar se há
possibilidade de remarcar prova em concurso por motivos religiosos

O Supremo Tribunal Federal deu continuidade nesta quarta-feira (25/11) ao julgamento que discute o direito de trocar a data ou local do concurso público por motivos religiosos. A votação foi suspensa sem maioria formada e será retomada nesta quinta-feira (26/11) a partir do voto do ministro Gilmar Mendes. Há expectativa de que os ministros decidam a tese de repercussão geral.

A pauta traz dois recursos em que seus respectivos relatores divergem. O ministro Dias Toffoli entende que não há direito subjetivo à remarcação de provas de concursos por crença. Já Luiz Edson Fachin diz que o Estado deve dar condições alternativas para assegurar a liberdade religiosa. 

Nesta quarta, uma terceira linha de entendimento foi apresentada por Alexandre de Moraes, que propôs ressalvas à tese de Fachin. Alexandre disse que pode haver alteração de data e local desde que sejam observados limites como o da razoabilidade, isonomia e que a mudança não gere ônus para a Administração Pública.

Mudança não obrigatória
De relatoria do ministro Dias Toffoli, o recurso extraordinário foi interposto pela União e questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que entendeu que um candidato adventista poderia fazer a avaliação em momento diferente do que previa o concurso público.

Toffoli dá provimento ao recurso. Para o ministro, não é possível mudar a forma de cumprimento das obrigações "espontaneamente assumidas pelo fiel para adequá-la à crença por ele professada".  "Nada obsta que a Administração, ao realizar um concurso público ou um vestibular, escolha datas não coincidentes com a sexta-feira ou o sábado, por exemplo. Todavia, a escolha cabe apenas à Administração, pois somente ela saberá os custos reais da escolha para adequar o certame aos candidatos", afirmou.

Para ele, a concessão de data ou horário alternativo caracteriza privilégio, que fere o princípio da isonomia. O relator sugeriu a modulação dos efeitos da decisão para manter a validade das provas que já foram feitas até a data de conclusão do julgamento. 

Até agora, apenas o ministro Nunes Marques entende da mesma forma. Ele afirmou que não há previsão em lei que obrigue o Estado a dar datas alternativas. "Se de um lado cada um deve ter liberdade de crer no quiser, isso não significa que o Estado deva associar-se às mesmas crenças e, com imprevisíveis consequências, ser compelido sem previsão em lei a criar meios alternativos a fim de atender as restrições dos mais diversos mandamentos religiosos."

Deve mudar data
Outro caso julgado em conjunto, relatado por Fachin, discute se o administrador público deve estabelecer obrigação alternativa para servidor em estágio probatório que, por motivos religiosos, não puder cumprir determinados deveres funcionais.

O recurso foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a reprovação de uma professora adventista no estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade. Segundo os autos, ela não aceitou dar aulas às sextas-feiras após o pôr do sol.

Fachin entendeu novamente de forma contrária a Toffoli: para ele, o gestor público deve fornecer alternativas para assegurar a liberdade religiosa. "A separação entre Igreja e Estado não pode implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião na sua esfera privada", afirmou o ministro, para quem o Estado deve proteger a diversidade ampla. 

Com ressalvas
O ministro Alexandre de Moraes ponderou que o Poder Público não é obrigado a seguir dogmas e o calendário religioso. "Mas não pode fazer 'tábula rasa' da liberdade religiosa, impedindo que todos os adeptos de uma determinada religião não possam nem ter acesso a concursos, nem possam exercer os cargos públicos".

Defendeu não ser razoável impedir que por determinada religião uma pessoa seja "terminantemente impedida de pleitear acesso a determinado cargo público". E pontuou que não compromete a laicidade do Estado a diferenciação por crença. 

As teses sugeridas foram as seguintes: "Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível a realização de etapas de concurso público em datas e horários distintos dos previstos em edital por candidato que invoque a escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração e a preservação da igualdade entre todos os candidatos."

"Nos termos do art. 5º, VIII, da CF, é possível a Administração Pública, inclusive em estágio probatório, estabelecer critérios alternativos para o regular exercício dos deveres funcionais inerentes aos cargos públicos em face de servidores que invocam escusa de consciência por motivo de crença religiosa, desde que presente a razoabilidade da alteração e não se caracterize o desvirtuamento no exercício de suas funções."

O ministro Luís Roberto Barroso entendeu que o candidato deve poder fazer a prova em data e horário diferentes daqueles previstos no edital desde que não se crie um ônus desproporcional à Administração Pública e não haja interferência na isonomia do concurso público.

Da mesma forma votaram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia. Rosa disse que há um dever de proteção da Administração Pública para promover as acomodações necessárias. Segundo a ministra Cármen, o Estado deve respeitar a escolha religiosa. "O Estado separa-se da religião, mas o ser humano não se separa da fé".

Caminho intermediário
O ministro Ricardo Lewandowski deu parcial provimento no primeiro caso, somente para reconhecer que não existe direito subjetivo à remarcação. No segundo, ele entendeu que o Estado deve analisar, sob justificativa, a possibilidade de fazer ajustes e acomodar a religião da professora.

O ministro sugeriu a seguinte tese: "Não há direito subjetivo à remarcação de data e horário diversos daqueles determinados previamente por comissão organizadora de certame público ou vestibular por crença religiosa devendo a Administração Pública, observado o postulado da razoabilidade e desde que não acarrete um ônus desproporcional, avaliar a realização de concurso em dia e horário que conciliem a pretensão do candidato com princípio da isonomia e a prevalência do interesse público."

Clique aqui para ler o voto de Toffoli.
Clique aqui para ler o voto de Fachin.
RE 611.874 e ARE 1.099.099

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