Especialistas divergem sobre aplicação da Maria da Penha a caso entre mãe e filha
24 de novembro de 2020, 20h46
A artista Karen Keldani, namorada da cantora Joanna, agrediu a própria mãe, Nely Keldani, por causa de uma discussão envolvendo dinheiro. Em imagens divulgadas na internet, Karen aparece empurrando a senhora de 66 anos contra uma pilastra de um prédio. Mas especialistas divergem sobre a possibilidade de se aplicar a Lei Maria da Penha (11.340/2006) ao caso.
A professora de Direito Penal e Direito Processual Penal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Marcela Miguens afirma que, como a Lei Maria da Penha trata de violência baseada no gênero, incluindo os espaços das relações familiares, é possível a aplicação dos instrumentos de proteção também nos casos de violência praticada entre mãe e filha.
"A violência que ocorra no ambiente doméstico, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto pode estar baseada no gênero, ainda que seja a mulher o sujeito ativo, pois mesmo nessas relações é possível que sejam reproduzidos os mesmos padrões de dominação e subordinação que existem nas relações entre homens e mulheres", opina Marcela.
O Superior Tribunal de Justiça definiu, no Conflito de Competência nº 88.027, que mulher pode ser sujeito ativo da violência abordada pela Maria da Penha, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade.
Em artigo publicado na ConJur, o delegado de polícia em Santa Catarina Denis Schlang Rodrigues Alves aponta que, fora da situação da união homoafetiva, a mulher somente pode figurar como autora de violência doméstica e familiar contra uma outra mulher no caso da existência da situação de vulnerabilidade da vítima frente à agressora ou em razão da motivação de gênero.
Também com base na condição de vulnerabilidade, a Turma de Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça de Mato Grosso declarou, em 2018, a Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar de Várzea Grande competente para julgar caso em que uma menina de um ano e meio foi agredida e obrigada a ingerir bebida alcoólica pela mãe.
Segundo o colegiado, "a aplicação da Lei Maria da Penha não se restringe à violência doméstica contra a mulher maior e capaz, mas abrange violência familiar da qual podem ser vítimas as crianças e idosos do sexo feminino".
Outro lado
Por outro lado, tribunais vêm decidindo que, se não ficar provada a vulnerabilidade da vítima, não é possível aplicar a Lei Maria da Penha a casos de agressão entre mãe e filha.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal já decidiu que, "se os maus tratos infligidos à criança do sexo feminino decorrem da vulnerabilidade decorrente da condição de filha, em face da sua criação e educação, sem qualquer conotação motivada pelo gênero mulher, não há aplicação da Lei Maria da Penha" (Processo 0015698-26.2013.8.07.0000).
Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concluiu que, se a filha agrediu a mãe devido a uma discussão, mas não ficou provada a situação de vulnerabilidade desta, a norma deve ser afastada (Processo 0046891-26.2013.8.19.0000).
Já o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em 2017, aceitou Habeas Corpus impetrado pelo Ministério Público e suspendeu a remessa do processo de uma briga entre mãe e filha para a Justiça Comum, encaminhando-o para o Juizado Especial Criminal, que trata de crimes de menor potencial ofensivo. Segundo os magistrados, a Lei Maria da Penha só pode ser aplicada em casos em que a motivação da agressão seja a opressão ao sexo feminino.
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