Solidariedade e direitos fundamentais

Aplicativo 99 é condenado por não transportar cão de assistência emocional

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24 de novembro de 2020, 11h20

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 7º, parágrafo único, preconiza a solidariedade entre os participantes da cadeia de fornecimento do produto e do serviço, a fim de que se garanta a reparação do dano experimentado pelo consumidor, parte hipossuficiente na relação.

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ReproduçãoAplicativo 99 é condenado por recusa de transportar cão de assistência emocional

Com base nesse entendimento, a 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de primeira instância e condenou a 99, empresa de transporte por aplicativo, a indenizar um passageiro que teve o atendimento negado por estar acompanhado de um cão de assistência emocional. A reparação por danos morais foi fixada em R$ 8 mil.

Para a relatora, desembargadora Ana de Lourdes Coutinho Silva da Fonseca, é possível afirmar que o autor se enquadra no conceito de pessoa portadora de deficiência, na medida em que a depressão grave com sintomas psicóticos de que é acometido impede a sua plena participação na sociedade.

"A doença que lhe acomete impede, ou dificulta, o pleno exercício profissional e as interações sociais em geral, além de impor, por indicação médica, o acompanhamento de um cão. Não se trata de limitação física, mas, sem dúvida, o transtorno do qual padece o autor é limitador a longo prazo, uma vez que, já há vários anos, necessita do tratamento específico e do acompanhamento do referido cão", disse.

Aplicando ao caso as normas que protegem e visam a garantir à pessoa com deficiência o livre e pleno exercício da vida em sociedade, a relatora destacou o artigo 46 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, que assegura especificamente o transporte em igualdade de condições com as demais pessoas e a eliminação de barreiras e obstáculos ao seu acesso.

"Assim sendo, não havia razão para que fosse negada a prestação do serviço de transporte ao autor com o cão, que não se apresenta como mero animal de estimação, mas como meio de superação das barreiras que impedem o pleno e livre exercício da vida em sociedade pelo autor", completou Fonseca.

Ela concluiu que houve restrição indevida dos direitos fundamentais do autor, vedando-se o seu acesso a um meio de transporte devidamente disponibilizado ao público. E disse que o transporte dele não poderia ter sido negado, seja por se tratar de direito fundamental, seja por imposição do bom senso e da solidariedade social que devem inspirar a relação entre os indivíduos.

"Ainda que a utilização de cão de assistência emocional possa não ser usual no Brasil, o que sequer se encontra demonstrado nos autos, tal circunstância não pode servir como pretexto para obstar o livre exercício de direitos fundamentais", afirmou. Em tal situação, segundo a relatora, a conduta atinge a própria dignidade humana da autor, o que enseja o reconhecimento do dano moral.

Divergência
A decisão se deu por maioria de votos, em julgamento estendido. Em declaração de voto divergente, o segundo juiz, desembargador Heraldo de Oliveira, afirmou não vislumbrar dano moral a ser reparado. Segundo ele, não há lei específica acerca de portadores de depressão grave com sintomas psicóticos, apenas legislação para deficientes físicos e visuais.

"A situação descrita pelo apelado, se mostra totalmente descabida para os dias atuais, em que a sociedade e o Poder Público lutam incansavelmente pela igualdade entre as pessoas", afirmou o desembargador, destacando não haver obrigação legal do motorista em transportar qualquer animal que lhe possa causar prejuízo que não será ressarcido pelo aplicativo.

Processo 1004606-78.2018.8.26.0663

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