Opinião

A Lei do Bem e a revogação do benefício antes do prazo final de vigência

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23 de novembro de 2020, 6h33

Em 21 de novembro de 2005, foi editada a Lei nº 11.196/2005, conhecida como Lei do Bem, que instituiu o Programa de Inclusão Digital e desonerou a receita bruta proveniente das vendas a varejo de produtos de informática para entidades não governamentais, órgãos públicos e não contribuintes, com vistas a reduzir os seus preços e expandir o mercado formal, incrementando o desenvolvimento social e profissional da população e a expansão da economia.

Em face das referidas regras, as receitas provenientes de tais operações passaram a sujeitar-se à alíquota zero de PIS e Cofins, nos termos do disposto no artigo 28 do mencionado diploma legal.

Conforme previsto inicialmente no artigo 30, inciso II, da Lei nº 11.196/2005, o benefício fiscal em referência alcançaria as vendas efetuadas até 31 de dezembro de 2009. Posteriormente, tal dispositivo foi alterado por duas vezes, inicialmente pela Lei nº 12.249/2010, que prorrogou o prazo de vigência do benefício para 31/12/2014 e, depois pela Medida Provisória-MP nº 656/2014, convertida na Lei nº 13.097/2015, que prorrogou novamente tal prazo para 31 de dezembro de 2018.

O benefício fiscal em questão foi regulamentado pelo Decreto nº 5.602/2005, que estabeleceu diversos requisitos para sua fruição, entre eles: 1) a necessidade de observância de preço máximo na venda dos produtos (artigo 2º); 2) a fabricação dos produtos conforme Processo Produtivo Básico (PPB), estabelecido em portaria interministerial dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Ciência, Tecnologia e Inovação (artigo 2º-A); 3) definição dos padrões e especificações técnicas dos produtos atingidos pelo benefício fiscal, como tamanho, tecnologia, peso e dimensões, bem como demais requisitos definidos por autoridades competentes.

Ocorre que, em 31 de agosto de 2015, foi editada a MP Nº 690, que, produzindo efeitos a partir de 1º de dezembro de 2015, revogou expressamente os artigos 28 a 30 da Lei nº 11.196/2005, que previam o benefício da alíquota zero e o seu prazo de vigência até 31 de dezembro de 2018.

Como se verifica da análise dos dispositivos legais que instituíram, regulamentaram e alteraram o benefício fiscal em comento, é inequívoca a previsão de sua onerosidade por todo o período de vigência, pois o direito à fruição contínua da desoneração em questão, só alcançaria as vendas a varejo de produtos que cumprissem com os requisitos nela previstos, tais como:

— A necessidade de observância de preço máximo na venda dos produtos (artigo 2º);

— A fabricação dos produtos conforme processo produtivo básico estabelecido em portaria interministerial dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e da Ciência, Tecnologia e Inovação (artigo 2º-A), que impõe a realização de investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D, cf. aplicação mínima de 5% do artigo 11 da Lei nº 8.248/1991 [1] e §3º do artigo 2º da Lei nº 8.387/1991 [2]) e aquisição mínima de insumos da indústria nacional;

— Definição dos padrões e especificações técnicas dos produtos atingidos pelo benefício fiscal, como tamanho, tecnologia, peso e dimensões, bem como, demais requisitos definidos por autoridades competentes.

Destacamos que a fabricação de produtos de acordo com processo produtivo básico tem como propósito o incentivo do Estado brasileiro ao crescimento da indústria nacional, bem como a melhoria de qualidade dos produtos. Isto não somente quando exige certificação de qualidade pelo Inmetro, mas também quando exige utilização de matéria-prima nacional que igualmente deve atender pré-requisitos de PPB com aumento gradativo de insumos nacionais.

Ainda, no que concerne às atividades de pesquisa e inovação tecnológica, o Decreto nº 5.798/2006, que regulamentou a Lei nº 11.196/2005, também inseriu em seu artigo 2º vários requisitos vinculados ao gozo de incentivos fiscais, tais como: "inovação tecnológica", "pesquisa básica dirigida", "pesquisa aplicada" etc.

Definitivamente, os programas de inovação tecnológica são sempre onerosos em razão dos investimentos necessários à produção nacional com os padrões de qualidade exigidos em PPB e em projetos de pesquisa de execução extensa, pois envolvem várias fases de tramitação, principiando com o desenvolvimento de projeto até a elaboração de protótipos e piloto de produção, os quais dificilmente são concluídos em menos de 18 meses e possuem resultados de médio-longo prazo.

Dessa forma, as alterações legislativas não prorrogaram apenas o prazo de vigência do benefício fiscal, mas mantiveram as condições para a sua fruição estabelecidas no texto original da Lei nº 11.196/2005 e criaram outras tantas, como condição sine qua non para incidência de alíquota zero nas operações de venda no varejo de produtos de informática.

Assim, o benefício fiscal previsto no artigo 28 da Lei nº 11.196/2005 foi concedido por prazo certo e desde que atendidas as condições fixadas, revestindo, por conseguinte, a condição de benefício oneroso e, desta forma, não poderia ter sido revogado antes da data final de vigência.

Nesse sentido, o artigo 178 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que a isenção onerosa, se não concedida por prazo certo, não pode ser revogada ou modificada a qualquer tempo. É esse igualmente o entendimento do Supremo Tribunal Federal, que foi objeto da Súmula 544, com o seguinte teor: "Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas".

A equiparação da alíquota zero à isenção é tema controverso assim na doutrina como na jurisprudência. No entanto, em face das suas idênticas consequências financeiras, o entendimento dos tribunais superiores alcança também o benefício da alíquota zero, o que, à toda evidência, torna inviável a sua revogação antes do termo final de vigência.

Efetivamente, embora os institutos sejam distintos, suas consequências jurídicas e econômicas guardam absoluta identidade, pois ambos resultam na desoneração integral do tributo. Assim, é certo e inequívoco que o benefício fiscal que determina a incidência de alíquota zero há de ser equiparado à isenção, sobretudo quando concedido por prazo certo e vinculado ao atendimento de determinadas condições. Nessas circunstâncias, há de lhe ser aplicado o disposto no artigo 178 do CTN, restando vedada a sua revogação antes do termo final de vigência.

Ainda que se entenda que o artigo 178 do CTN regula apenas as hipóteses de isenção propriamente ditas, há de se admitir a existência de lacuna normativa em relação às demais modalidades de desoneração tributária, entre elas a alíquota zero, aplicando-se o disposto no artigo 108, inciso I, do CTN [3], que disciplina a hipóteses de integração e interpretação da legislação tributária.

Isso porque, em matéria tributária, na ausência de disposição expressa regulatória de determinada situação, impõe-se a utilização da analogia como instrumento de aplicação da respectiva legislação, exceto nos casos em que resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

Assim, sendo certo que: 1) a legislação complementar não disciplina as hipóteses de revogação de alíquota zero; 2) as consequências financeiras da aplicação da alíquota zero são idênticas àquelas que se operam na isenção, quais sejam, a dispensa integral do pagamento do tributo; e 3) a revogação de ambos os benefícios fiscais, antes do fim do prazo de vigência, redunda em prejuízos financeiros incalculáveis e, consequentemente, um indesejável estado de insegurança jurídica, a regra veiculada pelo artigo 178 do CTN há de ser analogicamente aplicada às hipóteses de alíquota zero, reconhecendo-se, em consequência a impossibilidade de revogação antes do prazo final de vigência.

Finalmente, não merece guarida ainda o entendimento de que a revogação operada pelo artigo 9º da MP nº 690/2015 e respectiva lei de conversão observou o princípio da anterioridade e, por conseguinte, não malferiu os princípios da confiança legítima e da segurança jurídica.

Não há como se admitir que o exíguo prazo de 90 dias seja apto em si mesmo para realizar os princípios da confiança legítima e da segurança jurídica, sobretudo em face da complexidade e onerosidade das condições impostas ao contribuinte para fruição do aludido benefício, quando demanda vultosos investimentos e modificação significativa nas suas operações comerciais. Por óbvio, planejamentos empresariais desse porte e com essa abrangência não podem ser reformulados no exíguo prazo de 90 dias, sem risco à continuidade sadia e segura da atividade empresarial.

Diante disso, entendemos que deve ser garantida aos contribuintes a manutenção do benefício fiscal em análise até o seu prazo final de vigência, qual seja 31/12/2018, sendo afastada a revogação imposta pelo artigo 9º da MP nº 690/2015 e lei de conversão.

 


[1] Artigo 11. Para fazer jus aos benefícios previstos no art. 4o desta Lei, as empresas de desenvolvimento ou produção de bens e serviços de informática e automação deverão investir, anualmente, em atividades de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informação a serem realizadas no País, no mínimo, 5% (cinco por cento) do seu faturamento bruto no mercado interno, decorrente da comercialização de bens e serviços de informática, incentivados na forma desta Lei, deduzidos os tributos correspondentes a tais comercializações, bem como o valor das aquisições de produtos incentivados na forma desta Lei ou do art. 2º da Lei no 8.387, de 30 de dezembro de 1991, ou do art. 4º da Lei no 11.484, de 31 de maio de 2007, conforme projeto elaborado pelas próprias empresas, a partir da apresentação da proposta de projeto de que trata o § 1o-C do artigo 4o desta Lei.

[2] Artigo 2° Aos bens do setor de informática, industrializados na Zona Franca de Manaus, serão concedidos, até 29 de outubro de 1992, os incentivos fiscais e financeiros previstos na Lei n° 8.248, de 23 de outubro de 1991, atendidos os requisitos estabelecidos no § 7° do art. 7° do Decreto-Lei n° 288, de 28 de fevereiro de 1967, com a redação dada por esta lei. (…) § 3º Para fazer jus aos benefícios previstos neste artigo, as empresas que tenham como finalidade a produção de bens e serviços de informática deverão aplicar, anualmente, no mínimo 5% (cinco por cento) do seu faturamento bruto no mercado interno, decorrente da comercialização de bens e serviços de informática incentivados na forma desta Lei, deduzidos os tributos correspondentes a tais comercializações, bem como o valor das aquisições de produtos incentivados na forma do § 2º deste artigo, ou da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991, ou do art. 4º da Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007, em atividades de pesquisa e desenvolvimento a serem realizadas na Amazônia, conforme projeto elaborado pelas próprias empresas, com base em proposta de projeto a ser apresentada à Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA e ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

[3] Artigo 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia; (…) § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

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