Opinião

A segurança jurídica dos resultados das eleições no Brasil

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22 de novembro de 2020, 15h32

Duas situações contemporâneas distintas dão relevo ao debate sobre a necessidade de se estabelecer prazos peremptórios para que decisões judiciais possam vir a afetar, mesmo que parcialmente, o resultado das eleições. Digo isso porque estamos assistindo a uma forte contestação ao resultado eleitoral nos Estados Unidos, democracia que sempre foi referência para qualquer nação, gerando uma instabilidade mundial, e, em nosso âmbito, temos a pitoresca solicitação ao TSE do PRTB, partido do vice-presidente da República, para, em razão do atraso de algumas horas na divulgação dos resultados eleitorais neste primeiro turno, requerer o "cancelamento" do pleito, segundo o que foi noticiado pela imprensa.

A Justiça Eleitoral cumpre relevante papel em nosso sistema constitucional, não só lhe cabendo a atividade jurisdicional típica de solução de conflitos eleitorais, como também a organização e fiscalização das eleições, entre outras matérias correlatas (a exemplo do dever de vigilância sobre a aplicação de recursos financeiros pelos partidos políticos)

Não questiono a necessidade da Justiça Eleitoral. Sem ela, com absoluta certeza, não teríamos eleições organizadas e limpas. O que discuto é outra situação: é saudável, ainda que seja formalmente legal, estabelecer que decisões tardias sobre a validade de eleições, ou de candidaturas, afetem o exercício dos atuais mandatos, mesmo que observados os prazos para a propositura das ações impugnativas específicas? Com efeito, a indagação mostra-se pertinente pouco importando o ajuizamento tempestivo, por exemplo, de ação de impugnação de mandato eletivo ou de ação de  investigação judicial eleitoral, vez que a decisão definitiva sobre a questão pode durar anos, com o potencial de alterar de maneira substancial uma eleição em andamento em razão de fato muito anterior e que com ela não se relaciona diretamente.

Mostra-se igualmente preocupante que o jogo político nas diversas casas legislativas federais, estaduais ou municipais venha a ser abruptamente alterado em razão de decisão judicial sobre fatos eleitorais ocorridos há muito tempo, gerando a cassação de mandatos, com candidatos originalmente tidos como eleitos (e empossados) substituídos por suplentes em razão de situações temporalmente distantes.

A questão não é afastar a possibilidade de punição, que pode e deve ocorrer, mas apenas estabelecer que os seus efeitos não importam cassação ou cessação de mandato eletivo em curso, gerando-se o impedimento apenas para eleições futuras. Em palavras mais simples, se ultrapassado um prazo razoável para a solução do conflito, e na minha opinião o marco temporal deve ser a certificação judicial do resultado do respectivo pleito eleitoral, a ilicitude da conduta deve gerar inelegibilidade para as eleições futuras. Isso afastaria o risco de rupturas abruptas no cenário político, tornando estável o resultado eleitoral certificado.

A estabilidade política de uma democracia, é certo, depende essencialmente da credibilidade do processo eletivo. Logo, é correto dizer que condutas ímprobas praticadas durante o pleito eleitoral (a exemplo da compra de votos) afetam diretamente a soberania popular e impedem que seja reconhecida a legitimidade do candidato que a pratica.

O que não se pode conceber é que, ainda que em razão de situações como essas, de condutas concretamente abusivas, venha o processo político em curso ser desestabilizado por decisões judiciais tardias, mesmo que a demora se mostre justificável. Nesse aspecto, não é diferente com relação aos prazos peremptórios estabelecidos para o ajuizamento das ações eleitorais impugnativas, que são inafastáveis exatamente para se gerar segurança jurídica no exercício do mandato eletivo — independentemente da gravidade do fato que possa vir a ser posteriormente descoberto.

Ora, a Constituição Federal e as leis eleitorais estabeleceram prazos decadenciais para se pedir a impugnação (latu sensu) de candidaturas, a exemplo da ação de impugnação ao pedido de registro de candidatura (artigo 3º da LC 64/90 — prazo de cinco dias), ação de investigação judicial eleitoral (artigo 22, da LC 64/90 — prazo até a diplomação dos eleitos), ação de impugnação de mandato eletivo (artigo 14, §10, da Constituiçãoprazo de até 15 dias a partir da diplomação dos eleitos) ou de recurso contra diplomação (artigo 262, I, do Código Eleitoral — prazo de até três dias a contar da diplomação dos eleitos), e isso tem por fundamento a estabilização do resultado eleitoral, evitando-se assim a insegurança jurídica no exercício do mandato popular.

Mais do que isso, não se pode ter a sensação de que a eleição, ainda que finalizada, não é definitiva, pois pode sempre vir a ser modificada, em futuro incerto, em razão de decisão judicial. Em tal cenário, ainda que injustamente, cria-se a falsa ilusão de que o Poder Judiciário interfere no cenário eleitoral e de que o mandato decorre da sua vontade, e não da soberania popular.

Independentemente da possibilidade de êxito da manobra no sistema norte-americano, que tem por característica a ausência de uma Justiça Eleitoral, não é difícil imaginar que o comportamento pode ser aqui replicado, ainda mais quando se tem, efetivamente, a possibilidade de alteração do resultado eleitoral mesmo após a certificação oficial da contagem de votos e a proclamação dos eleitos.

No Brasil, cabe lembrar, se houve impugnação ajuizada de forma tempestiva, o resultado eleitoral só poderá ser tido como certo e definitivo com o trânsito em julgado da respectiva ação, o que pode ocorrer anos após o encerramento oficial do pleito eleitoral.

Não faz sentido, portanto, ainda que seja tempestiva a propositura da medida impugnativa, que a decisão judicial finalmente adotada possa atingir, anos depois, o exercício do mandato eletivo em curso — pois torna inócua a observância do prazo peremptório para o ajuizamento daquela ação, objetivo primário da limitação temporal de qualquer contestação ao resultado eleitoral certificado.

Por outro lado, o mandato eletivo é sempre temporário e se submete, de forma periódica, ao crivo popular. Logo, a postergação dos efeitos da inelegibilidade é menos prejudicial do que a insegurança jurídica que acaba se criando com as inúmeras contestações aos resultados eleitorais que permanecem sem solução anos após o pleito eleitoral respectivo.

Enfim, mostra-se agora ser pertinente estabelecer um prazo máximo para que qualquer decisão da Justiça Eleitoral sobre o resultado das eleições possa atingir os mandatos em curso, estabelecendo-se o impedimento apenas para pleitos futuros, sem prejuízo das demais sanções penais e pecuniárias cabíveis em razão da conduta eleitoral ímproba do candidato. É o que hoje mais se ajusta para se garantir a estabilidade democrática, tornando mais aparente o respeito à soberania popular.

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