Opinião

Aspectos jurídicos das modalidades de investimento em startups

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6 de janeiro de 2021, 6h05

Cada dia mais, fundos e investidores em geral buscam bons negócios para aportar capital com o foco de garantir remuneração futura ou até garantir que haja a possibilidade de conversão do investimento em participação societária.

A estruturação jurídica do projeto é a base que sustenta a sua eficácia e garante segurança jurídica tanto para o investidor quanto para a empresa investida. A fim de superarmos todas as possibilidades de investimento, é importante destacar as minúcias de cada estrutura.

Existem diversas modalidades de estrutura jurídica, mas, a fim de atender o objetivo em análise, destacamos as seguintes modalidades: sociedade em conta de participação, investimento-anjo e mútuo conversível em ações, cujos detalhes esclareceremos a seguir.

De início podemos destacar a sociedade em conta de participação. Trata-se um tipo societário contido no Código Civil, em seu artigo 993 [1], cujo objetivo é criar um instrumento no qual figuram um investidor, chamado na lei de sócio oculto/participante, e um sócio que executa o empreendimento, chamado de sócio ostensivo, podendo este ser uma pessoa jurídica ou física.

O objetivo desse formato, que não tem personalidade jurídica e não depende de registro do seu contrato, é criar uma modalidade de captação de investimento sem risco para o investidor, todavia o seu registro é necessário na Receita Federal, nos termos da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1863, de 27 de dezembro de 2018.

Não obstante a lei deixar evidente que o sócio participante somente responde pelas obrigações perante terceiros em caso de haver alguma influência sua na gestão dos negócios, há na jurisprudência trabalhista a responsabilização de sócio investidor. Notemos:

"SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO CONTRA OS SÓCIOS. A desconsideração da personalidade jurídica autoriza a execução de bens dos sócios da empresa demandada, independentemente do tipo societário que tenham adotado e das categorias de sócios existentes (ostensivo ou investidor)" [2].

No campo do Direito Civil, a segurança jurídica é maior, todavia encontramos problemas de entendimento judicial quanto à dissolução da sociedade, no sentido de limitar a relação à prestação de contas do sócio ostensivo ao sócio oculto.

Diante de tais instabilidades que o Poder Judiciário gera, notadamente o trabalhista, a sociedade em conta de participação, a priori, se mostra como opção viável, entretanto há de se ter cautela quanto a riscos futuros.

Outra opção a ser analisada é o investimento anjo. Trazido ao Direito brasileiro pela Lei Complementar 123/2006, essa modalidade buscou a criação de um sistema de investimento mais dinâmico buscando incentivar a inovação, especialmente como incremento inicial para empresas de tecnologia [3].

Essa modalidade, no entanto, a fim de tentar regular um mercado dinâmico e volátil, cria uma série de regras que pode gerar desconforto e engessar os investimentos.

Assim como na sociedade em conta de participação, há o destaque de o risco ser assumido pelos chamados sócios regulares, isentando o investidor de responsabilidade, porém, criam-se regras sobre alguns itens do investimento que acabam por engessar o processo.

Nessa modalidade, por exemplo, o contrato deve ter vigência não superior a sete anos, porém a remuneração deve ter o prazo máximo de cinco anos e o prazo mínimo de dois. Há até a definição da forma com que a remuneração será feita, delimitando os rendimentos ao valor corrigido [4] [5]. 

Além disso, a Instrução Normativa da Receita Federal nº 1719/2017 traz alíquotas progressivas de Imposto de Renda auferido dos rendimentos decorrentes dos investimentos, iniciando-se em 22,5% até 15%.

Diante de tantas limitações diretas à forma do investimento, payback e até da imposição tributária agressiva, temos que o investimento anjo, que tinha como propósito dinamizar o mercado e atrair investimentos, acabou por se tornar uma opção, muitas vezes, inviável.

Por fim, podemos destacar o mútuo conversível em ações ou quotas, como modalidade para realização do investimento. O contrato de mútuo é uma modalidade de empréstimo trazida pelo Código Civil, em seu artigo 586.

É sabido que o investimento inicial pode ser devolvido nos termos acordados ou, como desejam sempre o investidor e investido, que o negócio cresça e se tenha uma grande valorização do negócio. Nesse cenário de incertezas, a previsão dessa possibilidade e sua garantia é essencial.

O mútuo permite que esse cenário seja criado, como bem pondera Takada (2016) ao frisar que as partes podem frisar condições outras na avença contratual. Além disso, consoante a lição sempre precisa de Silvio Rodrigues, em regra o contrato de mútuo não exige qualquer forma especial.

Nesse contexto de liberdade contratual e de negociação, a possibilidade de se prever a forma do investimento, seu desinvestimento ou até, prosperando o negócio, a conversão em participação societária, é garantida com o contrato de mútuo.

Diante de todo o exposto, mapeamos o interesse do investidor e expusemos as modalidades contidas no Direito brasileiro que podem ser utilizadas para tal, expondo, no entanto, suas peculiaridades, de modo que o mútuo conversível se mostra, em razão da liberdade de negociação e segurança jurídica, como solução muito mais estratégica e mais viável tanto para o investidor quanto para a empresa investida.

 


[1] Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm.

[2] TRT-4 – AP: 00254007820035040291, Data de Julgamento: 06/11/2017, Seção Especializada em Execução.

[3] "Art. 61-A. Para incentivar as atividades de inovação e os investimentos produtivos, a sociedade enquadrada como microempresa ou empresa de pequeno porte, nos termos desta Lei Complementar, poderá admitir o aporte de capital, que não integrará o capital social da empresa."

[4] Disponivel em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp123.htm.

[5] "Artigo 61-A (…)
§ 1o As finalidades de fomento a inovação e investimentos produtivos deverão constar do contrato de participação, com vigência não superior a sete anos.
(…)
§ 4o O investidor-anjo: 
III – será remunerado por seus aportes, nos termos do contrato de participação, pelo prazo máximo de cinco anos. 
(…)
§ 7o O investidor-anjo somente poderá exercer o direito de resgate depois de decorridos, no mínimo, dois anos do aporte de capital, ou prazo superior estabelecido no contrato de participação, e seus haveres serão pagos na forma do art. 1.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, não podendo ultrapassar o valor investido devidamente corrigido".  

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