Reflexões Trabalhistas

O Direito processual do Trabalho e sua interferência no Direito material

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20 de novembro de 2020, 8h01

Os direitos e obrigações no âmbito do Direito do Trabalho são temas da alçada do Direito material, enquanto o Direito processual ocupa-se das regras atinentes ao ingresso em juízo e o desenvolvimento do processo, para que o juízo diga o Direito.

Dessa forma, como regra geral, não cabe ao Direito processual interferir na órbita dos direitos e obrigações dos litigantes, que são objeto do Direito material, como visto.

Não obstante, existe a possibilidade de o processo atuar como instrumento decisivo no reconhecimento ou não de determinado direito que é objeto de disputa entre os litigantes, como consequência das regras processuais adotadas.

Como exemplo desse fato, trouxe o site do Tribunal Superior do Trabalho desta terça-feira (17/11) a seguinte notícia: "TST fixará tese jurídica sobre aspectos processuais em recursos que tratam de terceirização. A matéria será submetida ao Tribunal Pleno, na sistemática de recursos repetitivos".

Essa decisão, adotada pela maioria dos ministros, de remeter a questão ao tribunal pleno, decorre do fato do entendimento recém adotado pelo Supremo Tribunal Federal no sentido de que a terceirização é lícita em todas as etapas do processo produtivo.

Como afirmou o ministro Claudio Brandão à oportunidade "… a partir do julgamento dos Temas 725 e 739 de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, a realidade mudou e a questão se tornou relevante. No julgamento da matéria, o STF considerou lícita a terceirização de serviços em todas as etapas do processo produtivo e, com isso, surgiram divergências de entendimento entre as Turmas do TST em relação à natureza jurídica do litisconsórcio formado nesses processos".

Esse posicionamento adotado pela Corte Suprema estimulou alguns advogados de reclamantes, quando obtiveram decisões favoráveis sobre terceirização no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, diante de recurso extraordinário interposto pela empresa, que poderia ser acolhido pelo Supremo Tribunal Federal, manifestar desistência da condenação em face da recorrente, a fim de evitar o exame do recurso extraordinário, provocando o trânsito em julgado de decisão contrária à jurisprudência daquela corte.

Eis aí um procedimento processual que interfere no Direito material, pois impede a Corte Suprema a dizer o Direito.

Motivada por esses procedimentos, a Seção de Dissídios Individuais-1 do Tribunal Superior do Trabalho decidiu afetar ao tribunal pleno as seguintes questões jurídicas:

1º) Nos contratos de terceirização de serviços, qual a natureza jurídica do litisconsórcio formado: facultativo ou necessário? Simples ou unitário?

2º) Quais os efeitos produzidos nos autos que resultam da renúncia do autor ao Direito em que se funda a ação em relação a apenas uma das empresas, especialmente a prestadora de serviços?

3º) Nos casos de terceirização de serviços, há legitimidade recursal da empresa que não integrou a lide?

4º) Nos processos examinados em juízo de retratação, quais os efeitos produzidos quando apenas uma das rés interpôs o recurso extraordinário?

Essas questões suscitadas orientarão as decisões que serão proferidas nesses temas processuais, fixando critérios uniformes para decisões sobre pedidos de desistência dos efeitos da condenação. Trata-se esse exemplo de interferência do Direito processual na esfera do Direito material.

Podemos lembrar aqui de outras situações semelhantes, como a preclusão consumativa, quando o litigante ingressa com recurso ordinário e esquece determinado tema que mereceria reforma.

Ingressando a parte contrária com recurso ordinário, não poderá o primeiro litigante ingressar com recurso adesivo para "complementar" o recurso primitivo, diante da preclusão. Por força de uma questão processual, a decisão de mérito deixa de ser apreciada pelo tribunal, prevalecendo a decisão do juízo de origem, ainda que pudesse ser reformada.

Há outros exemplos de interferência do processo no Direito material, o que se faz necessário para impedir, o quanto possível, discussões alongadas em certas situações processuais.

É importante refletir sobre a relação que se estabelece entre o Direito material e o Direito processual, bem como sobre a capacidade dos advogados de bem manejar as regras processuais, provocando efeitos processuais que interferem no âmbito do Direito material a favor de seu constituído.  

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