Indícios suficientes

Dolo eventual de quem dirigiu bêbado deve ser analisado pelo Júri, diz STJ

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20 de novembro de 2020, 14h57

As sentenças de desclassificação e absolvição sumária exigem um grau de certeza jurídica que, quando não atingindo, abre caminho para a justa causa para o Júri, com a pronúncia do acusado. Havendo dúvida, a tese de dolo eventual do motorista que cometeu crime enquanto bêbado deve ser analisada pelos jurados.

Tzogia Kappatou
Réu é acusado de consumir bebida alcoolica e atropelar e matar três ciclistas
Tzogia Kappatou

Com esse entendimento e por maioria apertada de votos, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial do Ministério Público para manter a pronúncia de um motorista que é acusado de atropelar três ciclistas.

A acusação aponta, com base em laudos, que o réu aceitou o risco de cometer o crime (dolo eventual) porque ele trafegava acima da velocidade adequada no momento do acidente, estava embriagado e fugiu sem prestar socorro.

Para a defesa, houve a culpa consciente, pois, ao agir, o réu não considerou que o crime poderia realmente ocorrer. Assim, a ingestão de bebida alcoólica antes de conduzir veículo não pode levar à conclusão do dolo eventual.

O voto vencedor do ministro Nefi Cordeiro refutou essa tese. Para ele, a certeza jurídica da culpa consciente não é suficiente para desclassificar a conduta se a presença de três circunstâncias indica a plausibilidade de considerar o dolo eventual imputável.

STJ
Para o ministro Nefi Cordeiro, a plausibilidade da existência de dolo eventual é suficiente para levar o caso ao Júri
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"Não se trata de indevido 'in dubio pro societate', mas da admissão de que, nessas circunstâncias dos autos, bem agiu a corte local ao reconhecer que a ausência de dolo não estava provada em grau de ausência razoável de dúvidas", explicou.

"Não se trata de acolher uma das teses — defensiva ou acusatória — em detrimento da outra", esclareceu a ministra Laurita Vaz, "mas sim de constar que, pelas provas até então apresentadas, há existência de indícios suficientes para a pronúncia".

"O julgamento do caso concreto, inclusive no que concerne à definição quanto à ocorrência do dolo eventual ou da culpa consciente por parte do agente, deve ser, por justiça, levado a termo pelo juiz natural da causa, isto é, o Tribunal do Júri", acrescentou.

Votaram com a maioria os ministros Nefi Cordeiro, Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior.

Lucas Pricken/STJ
Ministro Schietti chamou atenção para o risco de dolo eventual virar elemento ínsito da conduta de beber e dirigir
Lucas Pricken/STJ

Divergência
Ficaram vencidos o relator, ministro Rogerio Schietti, e o ministro Antonio Saldanha Palheiro. Eles entenderam que não há elementos delineados nos autos além da própria embriaguez capazes de levar à conclusão de que o réu estivesse dirigindo de forma a assumir o risco de provocar acidentes.

O relator chamou atenção para o risco de que o dolo eventual se torne elemento subjetivo ínsito ao comportamento de consumir bebida alcoólica e trafegar em velocidade elevada, mesmo sem quaisquer outras circunstâncias.

Diferente seria a conclusão se o condutor do veículo estivesse praticando manobras perigosas, desrespeitando sinalização ou dirigindo propositalmente próximo a outros veículos. "Enfim, situações que permitissem ao menos suscitar a possível presença de um estado anímico compatível com o de quem anui ao resultado morte", disse o ministro.

REsp 1.848.841

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