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Relatores divergem sobre remarcação, por motivo religioso, de prova de concurso

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19 de novembro de 2020, 19h38

Quem segue determinada religião que prevê o resguardo do sábado, como é o caso dos adventistas, tem o direito de trocar a data ou local do concurso público para evitar ferir suas convicções? Até agora, está empatado no Supremo Tribunal Federal o julgamento de recursos com repercussão geral que discutem o tema.

O ministro Dias Toffoli entende que não há direito subjetivo à remarcação de provas de concursos por crença. Já o ministro Luiz Edson Fachin defende que o gestor público deve disponibilizar data alternativa para o concurso por motivos religiosos. 

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ReproduçãoSupremo começa a julgar se há
possibilidade de remarcar prova em concurso por motivos religiosos

O julgamento teve seguimento nesta quinta-feira (19/11), com as sustentações orais e manifestações dos amicus curiae, e será retomado na próxima quarta-feira. 

De relatoria do ministro Dias Toffoli, o recurso extraordinário foi interposto pela União e questiona decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que entendeu que um candidato adventista poderia fazer a avaliação em momento diferente do que previa o concurso público.

Em voto que rememora o processo histórico das relações do Estado e a Igreja, Toffoli dá provimento ao recurso. Para o ministro, não é possível mudar a forma de cumprimento das obrigações "espontaneamente assumidas pelo fiel para adequá-la à crença por ele professada".

Ele afirmou que o Brasil é "uma sociedade secularizada e laica, já que não tem religião oficial e respeita todas as crenças religiosas". E ressaltou que o fato de o Estado ser laico não "imputa uma postura negativa em face da crença religiosa".

"Nada obsta que a Administração, ao realizar um concurso público ou um vestibular, escolha datas não coincidentes com a sexta-feira ou o sábado, por exemplo. Todavia, a escolha cabe apenas à Administração, pois somente ela saberá os custos reais da escolha para adequar o certame aos candidatos", afirmou.

Ele sugeriu a modulação dos efeitos da decisão para manter a validade das provas que já foram feitas até a data de conclusão do julgamento. 

Fachin entendeu de forma contrária a Toffoli. Para ele, deve ser permitida a realocação de datas e horários alternativos para que o candidato religioso preste o concurso.

Serviço Público
O outro caso julgado em conjunto, relatado por Fachin, discute se o administrador público deve estabelecer obrigação alternativa para servidor em estágio probatório que não puder cumprir determinados deveres funcionais por motivos religiosos.

O recurso foi interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a reprovação de uma professora adventista no estágio probatório por descumprir o dever de assiduidade. Segundo os autos, ela não aceitou ministrar aulas às sextas-feiras após o pôr do sol e teria faltado 90 vezes injustificadamente por convicções religiosas. 

Fachin entendeu novamente de forma contrária a Toffoli: para ele, o gestor público deve fornecer alternativas para assegurar a liberdade religiosa.

"A separação entre igreja e Estado não pode implicar o isolamento daqueles que guardam uma religião na sua esfera privada", afirmou o ministro, para quem o Estado deve proteger a diversidade ampla. 

Toffoli não votou neste tema ainda, mas em seu voto como relator afirmou a concessão de data ou horário alternativo caracteriza privilégio, que fere o princípio da isonomia.

As propostas de tese
Toffoli sugeriu a seguinte tese:

"Não há direito subjetivo à remarcação de data e horário diversos daqueles determinados previamente por comissão organizadora de certame público ou vestibular por força de crença religiosa, sem prejuízo de a administração pública avaliar a possibilidade de realização em dia e horário que conciliem a liberdade de crença com o interesse público. Fica mantida a validade das provas realizadas, em cumprimento a decisões judiciais, ainda que em caráter precário, até a data de conclusão deste julgamento, em nome da segurança jurídica".

A tese proposta foi Fachin foi:

"Diante de objeção de consciência por motivos religiosos, previamente apresentada e devidamente fundamentada, há dever do gestor público de disponibilizar data e horários alternativos para realização de etapas de concurso público, certame público ou vestibular por força de crença religiosa."

E ainda, no segundo caso:

"O administrador deve oferecer obrigações alternativas para que seja assegurada a liberdade religiosa ao servidor em estágio probatório".

Clique aqui para ler o voto de Toffoli.
Clique aqui para ler o voto de Fachin.
RE 611.874 e ARE 1.099.099

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