Opinião

O artigo 239, §1º, do Código de Processo Civil: regra geral ou exceção?

Autor

  • Demétrio Beck da Silva Giannakos

    é advogado professor da Faculdade de Direito da Uniritter mestre e doutorando em Direito pela Unisinos sócio do escritório Giannakos Advogados Associados membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-RS e associado do Ibradim e da Agadie.

19 de novembro de 2020, 9h13

Desde a entrada do Código de Processo Civil de 2015, uma das mudanças que mais chamaram a atenção foi justamente no campo dos prazos processuais. Por exemplo, os prazos começaram a ser contados apenas nos dias úteis, diferentemente do que ocorria no CPC de 1973, nos termos do artigo 219 do CPC. Outra disposição importante foi a suspensão dos prazos entre 20 de dezembro e 20 de janeiro, nos termos do artigo 220 do CPC.

Porém, um dispositivo legal nos parece criar uma certa preocupação na prática: o artigo 239, §1º, do CPC. O referido artigo dispõe o seguinte: "Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido. §1º. O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução".

A última frase final do parágrafo primeiro do artigo cria, na prática, uma dúvida aos aplicadores do Direito: será que o artigo 239, §1º, mantém a contagem do prazo na forma geral, conforme disposto no artigo 224 do CPC ("Artigo 224  Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento"), ou configura como exceção, no sentido de que o prazo começaria a contar justamente do dia do comparecimento espontâneo?

Esse debate nos parece relevante, levando em consideração os efeitos práticos que pode resultar ao réu, como a revelia, em caso de apresentação de contestação de forma intempestiva.

Parece-nos que o referido dispositivo legal (artigo 239, §1º, do CPC) possui regra específica, se afastando da regra geral prevista no artigo 224 do CPC, até mesmo pelo fato de que o próprio artigo 224 prevê, em seu caput, a seguinte ressalva: "Salvo disposição em contrário (…)". Ou seja, justamente indicando ao jurisdicionado que o legislador inseriu na legislação processual exceções à regra geral.

Em nosso sentir, fica claro que a tal problemática de aplicação do artigo 239, §1º, do CPC é um problema de interpretação podendo, portanto, ser analisada a partir da crítica hermenêutica do Direito. Lenio Streck, em recente artigo publicado na ConJur, afirmou que "o Direito não é exatamente o que parece ser, dizem. O Direito é aquilo que quem tem poder diz que é" [1]. Ou seja, quem decidirá quando se iniciará a contagem do prazo do artigo 239, §1º, do CPC? O juiz? Vejamos.

Existe no Brasil uma lógica de que o Direito é qualquer coisa, desde que dito por aquele que pode dizer qualquer coisa. Novamente visitando Streck: "Porque o sujeito põe o Direito como bem entende e diz que aquilo é Direito. E a doutrina vai e repete. E está dado o círculo" [2]. Nessa hipótese, poderia o juiz dizer que o prazo do artigo 239, §1º, do CPC inicia-se no dia útil seguinte ao comparecimento espontâneo, por mais que o mesmo afirme, categoricamente, que o prazo fluirá a partir da data do comparecimento espontâneo. A quem devemos seguir?

Por exemplo, no momento em que o juiz, deparando-se com uma situação de aplicação do artigo 239, §1º, do CPC e opta por não seguir o que prevê a lei acaba por dar azo a mais recursos. Mais recursos exigem mais juízes e mais estrutura. E mais recursos geram, darwinianamente, jurisprudência defensiva. O sistema se adapta. Ao fim e ao cabo, o resultado estatístico é: milhões de processos, milhões de recursos e um percentual pífio de recursos admitidos, sem considerar que grande parte deles é fulminada monocraticamente. Tal temática foi analisada pelos autores anteriormente [3].

Ao fim e ao cabo, as palavras importam e dizem coisas [4]. Portanto, as leis dizem coisas. Assim, não cabe ao juiz decidir de que forma irá interpretar a lei. Novamente, é um problema de ativismo [5]. Os problemas do Poder Judiciário seriam muito menores se as leis fossem respeitadas.

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