Bloqueio judicial

Candidato a prefeito de Manaus moveu diversas ações para censurar Intercept

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19 de novembro de 2020, 11h00

O candidato derrotado à Prefeitura de Manaus Ricardo Nicolau (PSD) entrou com quatro ações sucessivas para tentar tirar do ar o site The Intercept Brasil. O objetivo era que o processo caísse com um juiz próximo à sua família. Quando isso finalmente ocorreu, a Justiça Eleitoral amazonense mandou tirar do ar reportagem crítica ao político.

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Ricardo Nicolau foi derrotado na eleição para prefeito de Manaus
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Em 13 de novembro, o Intercept publicou reportagem afirmando que Nicolau aproveitou o acesso que tinha ao hospital de campanha da cidade — administrado pelo grupo Samel, rede de estabelecimentos de sua família — para mostrar em propaganda eleitoral que foi responsável pelo tratamento de pacientes com Covid-19.

Na reportagem, o veículo também apontava que a juíza eleitoral Margareth Rose Cruz Hoaegen, que negou ações contra a campanha de Nicolau no hospital de campanha, é amiga de Jeanne Nicolau, cunhada do político. A julgadora esteve no aniversário de Jean Cleuter, advogado de Ricardo Nicolau, também disse o site.

A defesa do candidato foi à Justiça Eleitoral pedir a retirada do ar não só da reportagem, mas de todo o site do Intercept. A ação foi distribuída à juíza Sanã Nogueira Almendros de Oliveira. Porém, ela disse que só poderia julgar o caso depois que o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas decidisse se ela era suspeita para tratar de processos de Nicolau. O pedido foi feito pelo político após Sanã proibir o uso da marca Samel nas propagandas eleitorais dele.

O postulante à Prefeitura de Manaus moveu uma segunda ação contra o Intercept, com o mesmo pedido, mas ela novamente caiu nas mãos de Sanã Nogueira Almendros de Oliveira, e a juíza, mais uma vez, sobrestou o processo até decisão do TRE-AM.

Os advogados de Nicolau tentaram mais uma vez, e o caso caiu em uma zona eleitoral diferente. Não satisfeitos, entraram com uma quarta ação, atribuída ao juiz Alexandre Henrique Novaes de Araújo. De acordo com o Intercept, o julgador participou, em agosto, da festa de aniversário de Alberto Nicolau, irmão do político. A mulher de Araújo, Monike Antony, postou um vídeo da campanha de Ricardo Nicolau em suas redes sociais. Em 2018, mudou sua foto de perfil para apoiar a candidatura dele a deputado estadual.

Alexandre Araújo ordenou, em 14 de novembro, que o Intercept retirasse a reportagem sobre Nicolau do ar, sob pena de multa diária de R$ 20 mil. Em sua decisão, o juiz afirmou que "a publicação imputa fatos sabidamente inverídicos, erigidos à categoria de escândalo, com o indisfarçável intuito de manipular os eleitores, transbordando os limites do direito de informar, tratando-se, portanto, de propaganda negativa e depreciativa da imagem do referido candidato". No entanto, o julgador não destacou por que os fatos seriam "sabidamente inverídicos".

A ConJur entrou em contato com o Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas e com a defesa de Ricardo Nicolau. Assim que eles se manifestarem, o texto será atualizado. 

Novo pedido
Como Ricardo Nicolau não foi eleito prefeito de Manaus, a liminar que ordenou a retirada do ar da reportagem deixou de valer, e o Intercept publicou novo texto nesta terça-feira (17/11) explicando a censura.

No mesmo dia, a defesa de Nicolau voltou a pedir que as reportagens — a original e a que explica a censura — fossem retiradas do ar. Conforme os advogados, o Intercept visou "deturpar a imagem" do político e dos juízes. Os representantes do candidato também dizem que a liminar não deixou de valer e alegam que o site desrespeitou ordem judicial.

A defesa do Intercept, comandada pelos advogados Rafael Fagundes, Rafael Borges, Rafaela Espínola e Diogo Flora, afirmou à ConJur que ficou chocada com uma decisão de censura, "que determinou a retirada do ar de uma reportagem que continha evidente interesse público e devidamente fundada em fatos apurados com o maior rigor jornalístico".

"Mais estarrecidos ainda ficamos diante da evidente ausência de fundamentação da decisão liminar, que utilizou argumento absolutamente genérico e sequer indicou qual seria o conteúdo 'sabidamente inverídico' da reportagem". Além disso, os advogados destacaram os indícios de parcialidade do juiz Alexandre Araújo, como as fotos dele em eventos sociais da Samel e o apoio a Nicolau manifestado pela mulher do julgador.

Os representantes do site ainda declararam que "merecem ser investigadas as suspeitas de fraude à livre distribuição, diante do ajuizamento de quatro ações sucessivas e com o mesmo objeto, até que ocorresse a distribuição ao juízo que proferiu essa inusitada decisão".

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Clique aqui para ler a petição da defesa de Ricardo Nicolau
Processos 0600262-85.2020.6.04.0063, 0600261-03.2020.6.04.0063, 0600242-88.2020.6.04.0065 e 0600106-86.2020.6.04.0002

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