Opinião

Alienação fiduciária compartilhada: o que esperar da caducidade da MP 992/2020?

Autores

  • Alberto Malta

    é sócio-fundador do escritório Malta Advogados professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) presidente da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal mestre em Direito Estado e Constituição com ênfase em Direito Imobiliário Registral pela UnB pós-graduado do programa de Master in Business Administration em Gestão de Negócios de Incorporação Imobiliária e Construção Civil pela Fundação Getulio Vargas (MBA/FGV) pós-graduado em Direito Imobiliário pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e árbitro da Câmara Brasileira de Arbitragem na Administração Pública (Cambraap).

  • Júlia Scartezini

    é sócia do escritório Malta Advogados membro da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Distrito Federal aluna especial do programa de pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB) coordenadora do blog "Imobiliário em Foco" e membro do grupo de estudos "Constitucionalismo Fraternal" sob a orientação do ministro Carlos Ayres Britto.

  • Carlos Müller

    é graduando em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e especializado em Processo Legislativo.

18 de novembro de 2020, 6h07

A Medida Provisória (MP) 992, de 2020, foi publicada no Diário Oficial da União em 16 de julho deste ano. O objeto da proposta era amplo, contemplando: 1) o compartilhamento de alienação fiduciária; 2) a concessão de crédito a microempresas e empresas de pequeno e de médio porte no âmbito do Programa de Capital de Giro para Preservação de Empresas (CGPE); 3) o crédito presumido apurado com base em créditos decorrentes de diferenças temporárias pelas instituições financeiras e pelas demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; e 4) a dispensa do cumprimento de exigências de demonstração de regularidade fiscal nas operações praticadas pelo Banco Central do Brasil em decorrência do disposto no artigo 7º da Emenda Constitucional nº 106, de 7 de maio deste ano.

Este artigo abordará, em especial, a regulamentação acerca da alienação fiduciária compartilhada.

A alienação fiduciária é uma espécie de garantia amplamente utilizada pelo sistema brasileiro, sobretudo pela facilidade da satisfação do crédito em hipótese de inadimplemento. Por meio dela, o devedor fiduciante transfere a propriedade resolúvel da coisa ao credor fiduciário, como garantia do cumprimento de uma obrigação assumida.

Em outras palavras, utilizando-se do instituto, mesmo com a transferência da posse indireta e da propriedade resolúvel ao credor fiduciário, o devedor fiduciante pode usar a coisa enquanto ela está garantindo o adimplemento obrigacional.

De suma importância para o Direito Imobiliário, a alienação fiduciária é uma das modalidades de garantia mais utilizadas para a aquisição de bens imóveis no Brasil.

Ante a relevância e a urgência do impulsionamento do mercado de crédito, o presidente Jair Bolsonaro editou a MP 992/2020, na qual previu, dentre outras medidas, a possibilidade do compartilhamento da alienação fiduciária em garantia. Em suma, disciplinou que um mesmo bem poderia ser alienado fiduciariamente como garantia de mais de uma operação de crédito.

A surpreendente inovação prevista pela Medida Provisória na tentativa de auxiliar a obtenção de crédito aos brasileiros evidenciou a flexibilidade conferida a um momento econômico sensível.

De acordo com a MP 992, seria permitido ao devedor fiduciante oferecer o bem imóvel alienado fiduciariamente como garantia de operações de crédito novas e autônomas, desde que observado o valor total do bem. Para isso, a nova operação deveria ser contratada com o mesmo credor fiduciário, o qual deveria consentir.

Destacando a publicidade registral imobiliária, a medida previu que, embora o compartilhamento da alienação fiduciária da coisa imóvel pudesse ser formalizado por meio de instrumento público ou particular, inclusive eletronicamente, deveria ser averbado no cartório de registro de imóveis competente, contendo as seguintes especificidades: "I. valor principal da nova operação de crédito; II. taxa de juros e encargos incidentes; III. prazo e condições de reposição do empréstimo ou do crédito do credor fiduciário; IV. declaração do fiduciante, de que trata o § 2º do artigo 9-A, quando pessoa natural; V. prazo de carência, após o qual será expedida a intimação para constituição em mora do fiduciante; VI. cláusula com a previsão de que, enquanto o fiduciante estiver adimplente, este poderá utilizar livremente, por sua conta e risco, o imóvel objeto da alienação fiduciária; VII. cláusula com a previsão de que o inadimplemento e a ausência de purgação da mora, de que trata o artigo 26 da Lei nº 9.514, de 1997, em relação a quaisquer das operações de crédito, faculta ao credor fiduciário considerar vencidas antecipadamente as demais operações de crédito contratadas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, situação em que será exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais; e VIII. cláusula com a previsão de que as disposições e os requisitos de que trata o artigo 27 da Lei nº 9.514, de 1997, deverão ser cumpridos".

Ademais, o prazo do novo contrato de alienação fiduciária também não poderia ser superior ao tempo remanescente na primeira operação. Não obstante, a razão entre o valor nominal total das obrigações garantidas e o valor do imóvel oferecido deveria observar os limites que aplicados originariamente à primeira operação.

Ocorre que a Medida Provisória 992/2020 não foi convertida em lei no prazo de 120 dias contados de sua edição, tendo, portanto, perdido sua eficácia (artigo 60, §3º, da Constituição Federal).

Agora, conforme prevê o texto constitucional, o Congresso Nacional deveria, em até 60 dias, disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes por meio de decreto legislativo.

O Parlamento, entretanto, raramente edita o referido decreto, de modo que as relações jurídicas constituídas durante a vigência de medidas provisórias conservam-se por elas regidas. Destarte, os negócios jurídicos firmados com base na MP 992/2020 presumivelmente permanecerão salvaguardados.

Evidencia-se que é vedado ao presidente da República reeditar medida provisória, durante a mesma sessão legislativa — período correspondente a um ano de trabalho do Congresso Nacional —, por expressa vedação constitucional (artigo 60, §10, da Constituição Federal).

Desse modo, o presidente da República somente poderá submeter proposta semelhante ao Legislativo no próximo ano. Não se descarta, porém, a hipótese de regulamentação da alienação fiduciária compartilhada por projeto de lei de iniciativa parlamentar, proposição que não se sujeita àquela vedação constitucional.

Ao que tudo indica, nova medida provisória sobre o tema não será editada no curto prazo, haja vista que a perda de eficácia da matéria é resultado de processos obstrutivos da própria base do governo. Entende-se, portanto, que a proposta não integrava o rol de prioridades do Planalto.

Conclui-se que a expectativa de que o instituto da alienação fiduciária compartilhada traria impactos positivos ao fluxo de financiamento e ao mercado de crédito ao médio e ao longo prazo não prosperou, sobretudo pela caducidade da medida provisória que o regulamentava. Os contratantes que pactuaram contrato com esse fim deverão aguardar o prazo de 60 a partir da última sexta-feira (13/11) para que o Congresso Nacional edite decreto legislativo disciplinando os contratos firmados em decorrência da MP 992/2020. Caso o prazo decorra sem que haja a adoção de providências pelo Congresso, as relações jurídicas constituídas com fulcro na MP 992/2020, durante sua vigência, serão conservadas nos moldes que se originaram.

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    é sócio-fundador do escritório Malta Advogados, professor de Direito Imobiliário da Universidade de Brasília (UnB) e vice-presidente da Comissão de Direito Imobiliário e Urbanístico da OAB.

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    é assistente jurídica no escritório Malta Advogados, coordenadora do blog "Imobiliário em Foco", bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub), membro da Comissão de Direito Imobiliário da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Distrito Federal, do grupo de estudos "Constitucionalismo Fraternal", sob a orientação do ministro Carlos Ayres Britto, do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais e do "Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais — Universitário", sob a orientação da professora Lilian Rose Lemos Rocha.

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    é graduando em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e especializado em Processo Legislativo.

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