Opinião

O compliance e as precauções necessárias durante o processo eleitoral

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17 de novembro de 2020, 17h14

O período eleitoral costuma causar apreensão nos departamentos jurídicos e de compliance das empresas, por se tratar de um momento em que o programa de integridade pode ser submetido a um teste de estresse. Não raro, candidatos a cargos políticos buscam as empresas para obter os mais variados tipos de apoio para a campanha.

O tipo mais comum de preocupação é a doação de recursos financeiros ou outros bens materiais, prática que é vedada para pessoas jurídicas desde as eleições de 2016. Contudo, gostaríamos de tratar de um fator de risco interno: quando um funcionário ou membro da alta direção decide se candidatar ou apoiar abertamente um candidato.

Nesse caso, as empresas precisam ficar atentas a todas as etapas de um processo eleitoral — período pré-eleitoral, o processo eleitoral e após as eleições. Durante o período pré-eleitoral, a empresa, e em especial o compliance officer, deve precaver-se para que o colaborador candidato ou a alta direção da empresa não adotem práticas eleitorais abusivas, tais como propaganda eleitoral extemporânea e coação e cooptação de funcionários para obtenção de votos, que podem expor a empresa a riscos reputacionais e legais.

O Código Eleitoral e a jurisprudência dos tribunais eleitorais veda que pré-candidatos façam alusão a processo eleitoral, externada pela menção a nome do pretenso candidato ou candidatura, exaltem suas qualidades, procurando passar a ideia de que é o melhor para o cargo almejado, ou peçam votos, ainda que implicitamente.

Também é vedado que empresas coajam, imponham ou direcionem as escolhas políticas dos colaboradores. O Ministério Público tem classificado como coação eleitoral a obrigatoriedade de participar em reuniões e palestras de cunho político-eleitoral dentro ou fora do expediente, divulgação do nome e imagem do pré-candidato em material publicitário da empresa ou dentro da empresa e coação ou promessa de vantagem para obtenção de votos. Em muitos casos, além de ilegal, tais práticas violam o Código de Ética das empresas, que proíbem discriminação por opinião política e assédio moral no trabalho.

O responsável pelo compliance das empresas também deve estar atento durante o período eleitoral à existência de algum candidato que seja funcionário, ou ao apoio aberto de um membro da alta direção a um candidato, o que pode ensejar conflito de interesses entre as atividades de campanha e o exercício do cargo e  da jornada de trabalho. Além disso, pode expor a empresa a desvio de recursos corporativos, propaganda eleitoral extemporânea ou coação e cooptação de funcionários dentro da empresa. Em 2018, a Procuradoria-Geral do Trabalho registrou mais de 200 denúncias em 14 Estados, envolvendo mais de 60 empresas, relacionadas à coação eleitoral, quando a alta direção da empresa tenta influenciar os votos de seus subordinados valendo-se da posição hierárquica [1].

As preocupações não se esgotam com o término das eleições. Caso um membro da alta direção seja eleito, a questão passa a ser eventuais restrições e/ou limitações legais à participação de detentores de cargos públicos ou políticos em sociedades empresárias, principalmente naquelas empresas que têm contratos com a Administração Pública. Esse último ponto vem se tornando cada vez mais relevante, considerando que o mote de renovação política tem despertado em vários empresários a vontade de migrar da administração de empresas privadas para a gestão pública.

Nesses casos, com relação ao conflito de interesse, a empresa deve definir, como em qualquer outra hipótese, que a situação de conflito potencial seja informada tempestivamente: logo após o registro da candidatura do colaborador. Também é importante que o departamento jurídico e de compliance tenham clareza sobre o que diz o Código de Ética e demais políticas internas a respeito do exercício de atividade incompatível com as atribuições do emprego do colaborador e sua jornada de trabalho, para estabelecer os limites do que é permitido ou não, como a distribuição de santinhos e conversas, palestras e reuniões com demais colaboradores durante o horário de trabalho.

É preciso estar atento também ao uso, ainda que temporário, de recursos da empresa para fins de campanha. Além de contrariar o programa de integridade por configurar desvio de recursos da empresa para finalidades alheias ao seu objeto social, pode implicar em infração legal. Ressalte-se que a Lei nº 13.165/2015 revogou o artigo 81, que autorizava doações eleitorais por pessoas jurídicas e, além disso, de acordo com a Resolução n° 23.463/2015 do Tribunal Superior Eleitoral, apenas pessoas físicas estão autorizadas a fazer doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços e somente daqueles bens e serviços que constituem produto de seu próprio patrimônio ou atividade econômica.

Assim como toda interação com Administração Pública merece uma atenção especial dos programas de integridade das empresas, o processo eleitoral, em todas suas fases, também enseja preocupações, como vimos acima. É importante, nessas situações sensíveis, que as empresas reforcem suas políticas internas de integridade, deixando claras a todos os colaboradores suas diretrizes.

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