Opinião

O limite do Ministério Público na colaboração premiada

Autor

  • Fernanda Pereira Machado

    é advogada criminalista mestre em Direito Econômico pós-graduada em Direito Penal Econômico e Criminalidade Complexa e em Direito Tributário e pós-graduanda em inteligência aplicada e investigação criminal.

16 de novembro de 2020, 10h36

A lei que regulamenta a colaboração premiada estabelece que o papel do Ministério Público na realização do acordo de colaboração se inicia com o recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração e termina com a formalização do acordo com o investigado. 

Após a assinatura do acordo de colaboração, o Ministério Público tem o dever de peticionar em juízo requerendo a homologação do acordo de colaboração pelo juiz competente, anexando aos autos para análise o respectivo termo as declarações do colaborador e cópia da investigação. 

A participação do juiz no acordo de colaboração é tão somente a fase da homologação do acordo, em que deverá verificar a legalidade, a regularidade do acordo de colaboração e a voluntariedade do colaborador ao celebrar o acordo. 

O momento em que o juiz deve verificar a regularidade e legalidade, adequação dos benefícios pactuados, adequação dos resultados da colaboração, e a voluntariedade da manifestação de vontade é na audiência em que ouvirá sigilosamente o colaborador, antes da homologação do acordo celebrado entre o investigado e o Parquet. 

O §7º da Lei 12.850/2013 estabelece que o juiz deve ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, quando verificará os aspectos legais do acordo e a manifestação de vontade do colaborador, podendo se recusar a homologar a proposta se ela não atender aos requisitos legais, devolvendo-a às partes para adequações necessárias. 

Essa previsão legal busca, acima de tudo, garantir que o colaborador não foi coagido, seja com ameaças lawfare, contra si e familiares, seja com as já fartamente documentadas intermináveis prisões preventivas, a aceitar os termos de um acordo imposto pelo Ministério Público com relação à narrativa, às penas corporais. 

Nosso ordenamento penal prevê que a confissão obtida em sede de inquérito ou investigação seja confirmada em juízo, se não é imprestável. 

O colaborador confessa não apenas os fatos de que participou, mas todos os de que tomou conhecimento. É, portanto, ao mesmo tempo, réu confesso, informante e testemunha, devendo seu acordo ser objeto de profunda e criteriosa análise pelo juízo quanto à voluntariedade da manifestação da vontade, sob o imenso e nefasto risco de que um acordo imposto sob coação leve de "ações penais dirigidas e manipuladas" pelo órgão de persecução penal ou autoridade policial. 

Ocorre que existem colaborações que estão sendo homologadas com a participação do Ministério Público, ato que é exclusivo do juiz. Explica-se: 

O juiz tem convocado o Ministério Público e o pretenso colaborador, que deverá estar acompanhado de seu advogado, para a audiência sigilosa entre o juiz e o colaborador, prevista no §7º do artigo 4º da Lei 12.850/2013, em que se verifica a legalidade do acordo celebrado e a manifestação da vontade e voluntariedade do colaborador. Sendo inadmissível que o órgão de persecução penal esteja presente justamente quando se verifica os aspectos legais do acordo. 

A presença do Ministério Público ou da autoridade policial nessa audiência antes da homologação do acordo torna o acordo homologado, salvo melhor entendimento, nulo. 

A lei é clara quanto ao sigilo e quem deverá estar presente na audiência, vejamos: "Devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação: regularidade e legalidade, adequação dos benefícios, adequação dos resultados, e voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares". 

A lei é precisa ao dispor "especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares". 

Na única oportunidade prevista na lei para manifestar ao juízo sua narrativa sobre como foi conduzido o acordo de colaboração, o colaborador se vê frente ao "agente da coação ou tortura", convocado pelo juízo, ficando claro a ele o alinhamento entre o magistrado e o órgão de persecução penal, inibindo qualquer manifestação sobre a legalidade ou a coação. 

Recentemente, uma colaboração premiada ganhou repercussão nacional devido aos vídeos vazados pela imprensa, em que se mostra o colaborador sendo dirigido pelo Parquet, sendo que em muitos momentos é a procuradora quem explica ao colaborador o que ele "quis dizer". 

Nesse caso específico, a audiência sigilosa entre o juiz e o colaborador, acompanhado de seu advogado, contou com a participação do Ministério Público Federal, e na mesma assentada o juiz proferiu a decisão que homologou o acordo de colaboração premiada. 

Dito isso, questiona-se a legalidade da colaboração premiada em que o Parquet participa da audiência, em que se verificam os aspectos legais do acordo e a voluntariedade do colaborador, sem que haja previsão legal da sua participação. E, além disso, questiona-se a presença do Parquet ao lado do juiz na homologação da colaboração, haja vista a homologação do acordo foi proferida em audiência. 

A homologação do acordo sem prévia audiência do juiz com o colaborador, ainda que a princípio menos gravosa que a discutida em comento, projeta nos colaboradores a visão de que o juiz não se interessa em escutá-lo porque está de forma concreta pendendo a balança de forma desequilibrada em direção ao órgão de persecução penal. Ao colaborador apenas resta aceitar o que lhe é imposto, mesmo que não represente a expressão da verdade ou a exata manifestação de sua vontade. 

Assim, juízes que de forma constante homologaram acordos sem ouvir o colaborador entregam, de forma consciente ou não, ao MPF uma ferramenta para impor acordos fortíssima, um recado claro para que não se preocupe com os meios, mas apenas com o fim. 

O colaborador que não tem seu direito de ser ouvido pelo juízo, ou o tem na irregular presença do MPF ou da autoridade policial, quando na homologação de seu acordo, foi tolhido de proteção penal e processual penal, que está prevista em lei, e pior, a outros colaboradores em outros juízos ou pelo próprio que não o quis ouvi-lo, em claro e ilegal caso de aplicação do Direito Penal do inimigo, sendo, portanto, nulo o acordo.

Autores

  • é advogada criminalista, mestre em Direito Econômico, pós-graduada em Direito Penal Econômico e Criminalidade Complexa e pós-graduanda em inteligência aplicada e investigação.

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