Opinião

É hora de pensarmos em mudança

Autor

  • Carla Regina Simonatto

    é advogada especialista em Contratos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas-SP.

16 de novembro de 2020, 9h09

Há alguns dias penso sobre um tema que gostaria de dividir com vocês, mas, com tantos assuntos em voga, tinha decidido deixar para depois.

No mês passado, levada por circunstâncias outras, resolvi caminhar pela seara criminal, a convite de uma advogada de peso, a quem muito respeito não só por ser uma profissional competente, brilhante e dedicada, mas, principalmente, por ser uma pessoa sensacional.

Ao aceitar o convite da advogada acima, a quem chamarei de Fernanda, não esperava me deparar com o que vi, pois desde os bancos acadêmicos deixei de me dedicar com afinco à matéria penal.

No entanto, não é sobre o Direito material que vim falar neste artigo, mas sobre as circunstâncias fáticas e dificuldades encontradas, não só por mim, como, acredito, por todos os colegas que atuam nessa área.

Embora seja sabido que a população, de um modo geral, faz uma grande confusão entre o advogado e aquele que cometeu o delito, é indubitável que o Estado, por meio das instalações ofertadas ao advogado, faz o mesmo paralelo.

Os parlatórios, que são os locais dentro das penitenciárias reservados aos presos, para que conversem com seus advogados, podem ser divididos, em relação à acomodação, entre os que não têm cadeiras e aqueles que as têm quebradas e sujas, sugerindo aos advogados que fiquem em pé.

O advogado sequer pode asseverar que conversou adequadamente com o seu cliente, pois precisa pensar se utiliza o interfone, que não recebe qualquer higienização, e, assim, corre o risco, nestes tempos de pandemia, de contrair o vírus, ou não o utiliza e, com isso, tira a máscara, com o mesmo risco, para que possa ser ouvido, considerando que há um vidro que o separa de seu cliente.

O parlatório, por ser uma verdadeira Torre de Babel, é o local em que o sigilo não existe, uma vez que tudo o que lá é falado é escutado por todos os que ocupam a sala, quer sejam advogados ou os outros presos.

As condições de trabalho dos funcionários públicos estão muito longe de serem consideradas boas, pois precisam conviver com máquinas antigas e estrutura deficitária, entre outras mazelas. Fato também conhecido de todos.

Sabemos, não é de hoje, que todo o aparato fornecido pelo Estado em relação à segurança pública, entendida em sentido amplo, está comprometido. O correto não é apenas fornecer equipamento, segurança e salário digno ao policial que está nas ruas para coibir o crime, mas, sim, entender que prisão não é "masmorra" e que, por isso, todos, desde o preso até o diretor da penitenciária, passando pelo advogado e pelos funcionários, merecem ser tratados de forma digna, com respeito.

Se o princípio básico do cárcere é ressocializar o preso, é impossível, com raras exceções, dizer que alguém sairá melhor do que entrou. O dinheiro do contribuinte, além de mal-empregado, está fomentando um caldeirão que não deverá tardar a dar sinais de nova explosão.

Ainda que não seja possível mudar tudo, podemos começar por pequenas coisas e é essencial lutarmos por nossas convicções, antes que a indiferença bata à nossa porta.

Enquanto a sociedade não fizer um sério trabalho de reflexão, estaremos fadados a pensar apenas no hoje, esquecendo que se ele não for bem feito, bem plantado, o amanhã não trará um pote de ouro. Ou acordamos agora, aproveitando que é tempo de eleições e começamos a fazer um sério trabalho em relação ao futuro, ou teremos, infelizmente, de nos contentar com dias vindouros sem perspectivas de melhora.

Ordem dos advogados, comissões e associações de todo o país, Estado, sociedade, é o momento de mudarmos a realidade, que só será alterada quando entendermos que estamos do mesmo lado e que o advogado não é a favor do crime, mas, sim, de um julgamento justo.

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