Opinião

Supremo precisa retificar orientação do TSE sobre eleições de 2018

Autores

  • Fabrício Juliano Mendes Medeiros

    é advogado mestre em Direito e Políticas Públicas professor em cursos de Especialização no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e no UniCEUB e do curso de graduação em Direito no IDP.

  • Ricardo Martins Junior

    é advogado pós-graduando em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e pós-graduando em Direito Processual Civil pelo IDP.

14 de novembro de 2020, 9h14

Em 13 de outubro, o Tribunal Superior Eleitoral finalizou o julgamento do Recurso Ordinário nº 0603900-65.2018. Na ocasião, examinando a questão da redistribuição dos votos obtidos por candidato que teve seu registro cassado após as eleições, a corte alterou o critério por ela mesmo estabelecido na Resolução TSE nº 23.554/2017, passando a considerar que tais votos são nulos para todos os fins e, portanto, não devem ser aproveitados pela coligação ou pelo partido do parlamentar cassado.

No caso específico, cuidou-se de ação de investigação judicial eleitoral manejada pelo Ministério Público Eleitoral em face de Targino Machado Pedreira Filho, deputado estadual eleito, e Odilon Cunha Rocha por abuso de poder econômico, de poder político e de autoridade e prática de conduta vedada.

Ao passo em que deu provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral para cassar o deputado Targino Machado Pedreira Filho e declarar sua inelegibilidade, o Tribunal Superior Eleitoral, por apertada maioria (4 a 3), declarou a nulidade dos votos por ele obtidos e determinou ao Tribunal Regional Eleitoral da Bahia que procedesse a imediata execução do acórdão, inclusive para fins de recálculo do quociente eleitoral.

Sucede que, ao assim proceder, o Tribunal Superior Eleitoral parece ter violado os princípios constitucionais da segurança jurídica, da anterioridade e da igualdade.

Com efeito, a Resolução nº 23.554, editada pelo Tribunal em 18 de dezembro de 2017 para regulamentar as eleições de 2018, é clara ao prever que a nulidade dos votos dados a candidato cassado somente ocorrerá se a decisão condenatória for publicada antes das eleições:

"Artigo 219  Serão nulos, para todos os efeitos, inclusive para a legenda, os votos dados:
(…)
IV – a candidato que, na data do pleito, esteja com o registro deferido, porém posteriormente cassado por decisão em ação autônoma, se a decisão condenatória for publicada antes das eleições".

Adicionalmente, sabe-se que, até o julgamento do caso mencionado, era inconcussa a orientação do Tribunal Superior Eleitoral no sentido do aproveitamento dos votos do parlamentar cassado em favor da legenda ou coligação pela qual fora eleito, na forma do que dispõe, aliás, o artigo 175, §4º, do Código Eleitoral.

Diversos são os julgados nesse sentido:

"ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO CONTRA EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ACÓRDÃO RECORRIDO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 30 DO TSE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Os votos obtidos por candidato, cujo registro encontrava-se deferido na data da eleição, são atribuídos à legenda pela qual concorreu o parlamentar posteriormente cassado, nos termos do art. 175, § 4º, do Código Eleitoral.
2. Harmônico o acórdão recorrido com a jurisprudência deste Tribunal se revela inadmissível o recurso especial eleitoral versado com fundamento em dissídio jurisprudencial.
3. Agravo a que se nega provimento.
(Agravo de Instrumento nº 6213, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação:  DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 09/11/2018)
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CONDUTA VEDADA. ELEIÇÕES PROPORCIONAIS. CANDIDATO CASSADO. CÔMPUTO DE VOTOS PARA A LEGENDA. ART. 175, § 4º, DO CÓDIGO ELEITORAL. NÃO PROVIMENTO.1. Os votos obtidos por candidato, cujo registro encontrava-se deferido na data do pleito eleitoral, não são anulados, mas contados a favor da legenda pela qual o parlamentar posteriormente cassado se candidatou, por força do disposto no art. 175, § 4º,do Código Eleitoral. (Precedentes: MS n° 1394-53/MS e MS n° 4787-96/CE).2. A norma constante do art. 16-A, parágrafo único, da Lei n° 9.504/97, introduzido pela Lei n° 12.034/2009, não afastou a aplicação do art. 175, § 4°, do Código Eleitoral, e sim inseriu na legislação eleitoral um entendimento que já havia sido adotadopela jurisprudência da Corte em julgados anteriores à vigência do referido dispositivo.3. Agravo regimental desprovido.
(Recurso Especial Eleitoral nº 41658, Acórdão, Relator(a) Min. Dias Toffoli, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Data 02/06/2014)".

Mais recentemente, em julgamento de ação também relacionado às eleições de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral, de forma inventiva, construiu solução processual justamente para não afrontar sua jurisprudência e resolução.

Naquela sentada, a corte, acatando sugestão do ministro Luís Roberto Barroso, decidiu não conhecer dos recursos interpostos pelos assistentes do Ministério Público Eleitoral — que buscavam exatamente a aplicação do inciso IV do artigo 219 —, pois, caso contrário, fatalmente haveria de se reconhecer a tese recursal do aproveitamento dos votos em favor do partido ou da coligação do candidato cassado [1].

Lado outro, é certo que, como a matéria estava razoavelmente pacificada, inclusive com regulamentação expressa do próprio tribunal, diversos outros casos, também concernentes às eleições de 2018, já haviam sidos julgados pelos Tribunais Regionais Eleitorais de todo o país, muitos dos quais já transitaram em julgado.      

Nesse cenário, há de se concluir que a aplicação imediata, nos processos relativos ao pleito de 2018, da novel orientação introduzida no julgamento do RO-EI nº 0603900-65.2018, configura verdadeira mácula ao princípio da confiança, na medida em que se tem uma clara desestabilização das expectativas legitimamente depositadas pelos sujeitos do processo eleitoral.

Espera-se, portanto, que essa orientação seja retificada pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de resguardar a segurança jurídica das relações e a isonomia do processo eleitoral. 

Autores

  • Brave

    é advogado, com graduação pela Universidade Federal de Sergipe e mestrado em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). É professor do Instituto Brasiliense de Direito Público e do UniCEUB. É sócio fundador do Medeiros & Barros Correia Advogados.

  • Brave

    é advogado, com graduação e pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto Brasiliense de Direito Público. É sócio do Medeiros & Barros Correia Advogados.

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