Boi na Linha

TRF-3 condena Abril por ter vendido MTV sem anuência da União

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13 de novembro de 2020, 21h17

A transferência da concessão de serviço de radiodifusão exige, para a validade do ato, a prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo, conforme determina a legislação pertinente — artigo 38 da Lei 4.117/1962.

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Empresa vendeu canal de TV por R$ 290 milhões, sem anuência do Poder Público
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Com esse entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, acolheu pedido do Ministério Público Federal e reconheceu a invalidade, caducidade e nulidade da concessão do serviço de radiodifusão outorgado à Abril Radiodifusão. Isso porque a empresa transferiu ilegalmente sua concessão à Spring Televisão. O negócio foi feito em dezembro de 2013, sem a participação da União.

O colegiado condenou as empresas e a União, por omissão, ao pagamento de danos morais coletivos em 10% do valor da transmissão, que foi feita por R$ 290 milhões. A União também deverá licitar novamente o serviço por intermédio do Ministério das Comunicações. 

Na decisão, o desembargador federal Marcelo Saraiva, que redigiu o voto revisor, explicou que a concessão consiste na "transferência pela qual a Administração delega a outrem a execução de um serviço público, para que o faça em seu nome, por sua conta e risco". Desse modo, o Poder Público transfere ao particular apenas a execução dos serviços, continuando a ser seu titular, devendo a concessão ser feita sempre por meio de licitação.  

O magistrado ressaltou que os particulares não podem comercializar sua posição de delegatários e que a transferência direta de outorga de concessão de radiodifusão é possível, sim, mas de acordo com a lei — que exige, para a validade do ato, a prévia anuência do órgão competente do Poder Executivo. 

Segundo os autos, a concessão à Abril foi outorgada em 1985 e renovada em 2002 pelo prazo de 15 anos. Nesse período, entre outras programações, a empresa transmitiu a MTV Brasil. No entanto, o canal encerrou suas transmissões em 31 de setembro de 2013 e, no dia seguinte, a Spring já passou a veicular sua programação. 

"A efetiva transferência do serviço foi realizada sem a anuência prévia do Ministério das Comunicações, sendo, inclusive, anterior às autorizações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica — Cade, que ocorreram em 20/01/2014", observou o relator do voto revisor.

Além disso, segundo o magistrado, o decreto presidencial concedendo a transmissão foi publicado em 16 de outubro de 2016, sendo "inadmissível" que a Spring passasse a veicular sua programação em 01º de outubro de 2013. 

Nulidade do negócio jurídico
Para o desembargador, com o encerramento das atividades da MTV, a Abril deveria ter solicitado a cessação de sua outorga; no entanto, providenciou, "ao arrepio da legislação", a alienação à Spring, que passou imediatamente a utilizar o espectro de radiofrequência para transmissão de programação.

Ressaltou, ainda, que caberia ao Poder Concedente decretar a caducidade da concessão e, consequentemente, a extinção do contrato, por ato unilateral, por descumprimento de obrigações contratuais pelo concessionário. No entanto, a União se omitiu, e, em 2016, publicou decreto transferindo a concessão.

"E não é demasiado falar na existência de vício em relação à finalidade, consistente no fato de que o Decreto Presidencial prestou-se, na verdade, a chancelar negócio jurídico reconhecidamente nulo, no interesse exclusivo das partes envolvidas no negócio, desprotegendo o interesse público de que o serviço concedido fosse executado conforme os preceitos legais que regem o contrato de concessão, configurando-se, dessa forma, vício insanável, segundo o artigo 2°, parágrafo único, alínea e da Lei nº 4.717/65, igualmente a ensejar a nulidade do Decreto", declarou.

Enriquecimento Ilícito 
O desembargador federal Marcelo Saraiva concluiu que a operação levou ao enriquecimento ilícito, correspondente à renda de R$ 290 milhões recebida pela Abril, bem como ao dano moral coletivo pela comercialização privada de outorga de radiodifusão e da sua indevida convalidação pela União.

O valor da condenação deve ser revertido ao fundo de recomposição dos interesses supraindividuais lesados, conforme previsão do artigo 13, da Lei 7.347/85. Com informações da assessoria do TRF-3.

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0026301-70.2015.4.03.6100

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