Opinião

O pacote 'anticrime' e a delegacia especializada na repressão a roubos

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13 de novembro de 2020, 10h34

Introdução
Trata-se de artigo que visa a analisar as consequências da alteração legislativa dada pela Lei nº 13.964/2019 (vulgarmente conhecida como pacote "anticrime") na seara dos crimes de roubo, notadamente quando instituída uma delegacia de polícia especializada na investigação desse tipo penal.

A Lei nº 13.964/2019 trouxe grandes mudanças na legislação penal e processual penal. Entre elas, as que vamos destacar neste artigo são duas: 1) alteração na forma de progressão de regime de pena de fração para porcentagem, tornando mais rigoroso o tratamento, conforme nova redação do artigo 112 da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84); e 2) inclusão do roubo majorado pelo emprego de arma de fogo no rol dos crimes hediondos, segundo a reforma do inciso II do artigo 1º da Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90).

Com a elevação do roubo à mão armada à categoria de crime hediondo, e considerando a nova regra de progressão de regime de pena para as infrações hediondas, o resultado não poderia ser melhor para a segurança pública e para o cidadão.

Emprego de arma de fogo
Sabemos que a definição jurídica do delito de roubo consiste, em resumo, empregar um ato de violência física ou grave ameaça contra alguém com a finalidade de subtrair algum pertence. Violência física ocorre com empurrões, pontapés, socos, tapas, etc [1]. Grave ameaça, por sua vez, caracteriza-se pela abordagem intimidatória, que pode ser com palavras ou gestos, desde que seja apta a incutir na vítima um real temor.

Porte simulado de arma de fogo é suficiente para caracterizar a grave ameaça (STF, RE 108.662-9/SP), mas não suficiente para majorar a pena pelo emprego de arma de fogo, pois, como o próprio nome diz, a arma deve ser efetivamente empregada, isto é, mostrada para a vítima de modo ostensivo (STJ, REsp 564.876/SP).

Necessário sublinhar que o emprego de simulacro de arma de fogo (arma de brinquedo) não é apto a majorar a pena, devendo o agente responder por roubo simples (cancelamento da Súmula 174 do STJ).

É preciso destacar, por fim, que o entendimento consolidado pela jurisprudência dos tribunais superiores é no sentido de reconhecer a causa de aumento de pena pelo emprego de arma de fogo mesmo que a referida arma citada pela(s) vítima(s) e/ou testemunha(s) não seja efetivamente apreendida e periciada [2]. Esperamos que essa posição do STF e STJ seja mantida com o advento da lei "anticrime", e não somente considerar hediondo o roubo quando houver apreensão e perícia de eficiência da arma de fogo utilizada, pois, se assim for, tornará letra morta a novatio legis in pejus, uma vez que nem sempre se localiza a arma de fogo quando do cumprimento do mandado de prisão do suspeito do roubo, principalmente aquela especificamente utilizada para a prática do crime objeto do inquérito policial.

Aumento de pena para o roubo à mão armada em 2018
Antes do advento do pacote, em abril de 2018, o ilícito do roubo armado já foi premiado com um novo regramento mais severo, devendo, uma vez reconhecida a referida causa de aumento de pena, o juiz aumentar a pena base não mais de um terço até a metade, mas obrigatoriamente de dois terços, conforme nova redação dada pela Lei nº 13.654/2018. Isso passou a evitar a automática aplicação da menor fração de um terço nestes casos — já que raramente se elevava a metade —, o que acabou gerando um acréscimo de meses na prisão.

Todo autor de roubo é condenado a cumprir pena em regime fechado?
A resposta é negativa. Considerando que a pena em abstrato do roubo varia de quatro a dez anos, é preciso que o juiz condene o autor a uma pena superior a oito anos para que este cumpra a pena em regime fechado (CP, artigo 32, §2º, "a"), salvo quando constatada circunstância judicial desfavorável ou reincidência (STJ, Súmula 269), ocasião em que, mesmo condenado a pena menor de oito anos, poderá iniciar seu cumprimento em regime fechado [3]

Progressão de regime antes da Lei nº 13.964/2019
Considerando que antes da lei "anticrime" somente o roubo com resultado morte (latrocínio) era considerado crime hediondo e, por assim ser, tinha a progressão calculada em frações de dois quintos (primário) e três quintos (reincidente), todos os outros crimes de roubo observavam a fração de um sexto para o cálculo da progressão. Ou seja, sentenciado, v.g., a uma pena de nove anos, o condenado pelo roubo somente cumpria um ano e seis meses deste período recluso na penitenciária, sendo certo que os outros sete anos e seis meses eram em regime semiaberto e aberto, ou seja, na rua [4].

Isso sempre motivou indiretamente a reincidência, pois, na medida em que autores de roubo são, na maioria, somente presos em flagrante — devido a ausência de unidades de polícia judiciária especializadas na investigação de roubos —, compensa a prática destes delitos de modo quase que profissional, pois, quando "caem" na mão da polícia, respondem por somente um deles, e ainda cumprem somente um sexto da pena final.

As consequências práticas da lei "anticrime" na seara do roubo
Para aqueles que forem indiciados (coercitivamente ou não) pela primeira vez na prática de roubo à mão armada, e condenados a cumprir pena em regime fechado (pena em concreto acima de oito anos), deverão obrigatoriamente cumprir pelo menos 40% (dois quintos) da pena imposta (LEP, artigo 112, V). Vejamos: se condenado a uma pena em concreto de oito anos, antes do pacote "anticrime" este indivíduo iria ficar encarcerado de fato somente um ano e quatro meses (um sexto de oito); depois do pacote "anticrime", o tempo encarcerado passa para três anos e dois meses, ou seja, um aumento de cerca de 138% do período de aprisionamento efetivo (mais do que o dobro).

É aqui que entra o diferencial de uma unidade especializada na apuração de crimes de roubos, vez que, via de regra, o autor de roubos de pequeno e médio portes pratica estes ilícitos reiteradas vezes, e isso somente é revelado com investigações concentradas. Desse modo, em sendo demonstrado a reincidência, a porcentagem para o cálculo para a progressão de regime prisional passa a ser de 60% (LEP, artigo 112, VII). Aplicando essa porcentagem, aquela pena em concreto de oito anos deverá ser cumprida por quatro anos, nove meses e 18 dias integralmente em regime fechado, isto é, no interior do presídio.

Mas o triunfo processual penal não para por aqui. Com o funcionamento de uma unidade especializada, em sendo expostos outros roubos à mão armada praticados pelo autor, cada pena sentenciada será unificada pelo juiz da vara de execução penal, e os anos vão sendo adicionados até que, ao final, a pena somada seja parâmetro para o cálculo da progressão.

Vamos imaginar o seguinte cenário: a unidade investiga indivíduo que fora preso recentemente pela prática de um crime de roubo majorado pelo emprego de arma de fogo, delito este no qual foi condenado a uma pena de oito anos em regime fechado. Durante o início do cumprimento da pena, a delegacia especializada — através da utilização de ferramentas de inteligência policial — revela que aquele indivíduo praticou outros dois roubos fora das hipóteses de crime continuado, ou seja, em concurso material. Daí, vamos idealizar que em cada um destes crimes descobertos o agente seja condenado a oito anos e o juiz da execução faça o somatório das penas, totalizando 24 anos (8 x 3). Considerando, agora, a reincidência, a porcentagem a ser utilizada para o cálculo da progressão do regime fechado para o semiaberto é de 60%. Nessa esteira, dos 24 anos sentenciados, 14 anos, quatro meses e 24 dias serão cumpridos no interior da penitenciária. A diferença brutal vem agora: antes do pacote "anticrime", esse indivíduo cujas penas somadas resultaram em 24 anos iria cumpri-la em regime fechado tão somente quatro anos (um sexto de 24). Repito: condenado a 24 anos pela prática de três roubos à mão armada, somente quatro anos seriam cumpridos na prisão, sendo o resto em liberdade, tamanho era o benefício da regra antiga de progressão.

Em outras palavras, elevar o roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo à categoria de crimes hediondos e, ao mesmo tempo, agravar a regra para progressão de regime, fez de uma delegacia especializada de repressão a roubos uma unidade de polícia judiciária fundamental para a manutenção da segurança pública, pois, finalmente, agora, assaltante fica definitivamente preso.

 


[1] Vale destacar que a prática de "trombadinha" — que é o famoso "batedor de carteira" — configura, via de regra, crime de furto, o chamado "furto por arrebatamento", conforme jurisprudência do STJ (AgRg no REsp. 1.483.754/MG).

[2] Por todos: STF, HC 108.034/MG; STJ, 5ª Turma, REsp 1.213.467/RS.

[3] Lembrando que o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 2º, §1º da Lei nº 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos), a qual prevê a obrigatoriedade do início do cumprimento de pena por crime hediondo em regime fechado (HC 108.840/ES).

[4] Considerando a ausência de estabelecimentos para cumprimento de penas em regime semiaberto (colônia agrícola ou industrial) e aberto (casa de albergado), o STF decidiu na Súmula Vinculante nº 56 que nos locais que não tiver tais estabelecimentos, o condenado deverá cumprir a pena em prisão domiciliar.

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