Lei brasileira x processo britânico

Por tramitação, vítimas do desastre de Mariana vão recorrer a tribunal inglês

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12 de novembro de 2020, 17h00

Os 202 mil autores da maior ação coletiva da história da Justiça inglesa vão recorrer ao Tribunal Recursal britânico contra a decisão do Justice Turner, da Corte Superior de Manchester, que na segunda-feira extinguiu o pedido por indenização pelo rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), ocorrido em 2015.

Ricardo Moraes/Reuters
Processo na Justiça britânica pede indenização por desastre considerada inviável no Judiciário brasileiro
Ricardo Moraes/Reuters

O anuncio foi feito pelo escritório PGMBM, que atua em nome dos autores. Em comunicado enviado à ConJur, os advogados Tomás Mousinho e Thomas Goodhead apontaram que "a aplicação da lei brasileira combinada às regras processuais inglesas são uma poderosa ferramenta para as vítimas, que estão devidamente amparadas por advogados brasileiros e estrangeiros".

A BHP, uma das empresas controladoras da Samarco, que operava a barragem de Mariana, está sendo processada por mais de 200 mil indivíduos, 25 municípios brasileiros, 530 empresas, uma arquidiocese católica e membros da comunidade indígena Krenak.

Para o Justice Turner, não há vantagem para os autores no processamento do feito na Inglaterra, pois geraria custos extensos, não seria necessariamente mais rápido e ainda abriria chance para que sejam tomadas decisões inconsistentes. Como mostrou a ConJur, a decisão indica acerto na adoção de indenização por uso de matriz de dano.

Segundo os advogados da causa, equivocadamente, grande parte da argumentação construída pelo juiz inglês foi baseada na ideia de que algum tipo de reparação é viável pelo sistema judiciário brasileiro e, ainda, que tais reparações já estariam em curso no Brasil.

"Cincos anos se passaram desde que a barragem do Fundão se rompeu, causando danos ambientais irreparáveis e destruindo a vida de inúmeras pessoas. Muitos processos foram ajuizados, mas o que se vê na prática são trâmites lentos, muitas promessas e pouquíssima ação por parte dos responsáveis. Indenizações irrisórias foram pagas para algumas poucas vítimas e acordos notadamente insuficientes foram firmados", destacam.

Para Thomas Goodhead, as alegações pela mineradora de que o litígio internacional é inútil e dispendioso porque as reparações estão sendo feitas no Brasil não são verdadeiras. "As vítimas enxergam isso. As Nações Unidas enxergam isso. E no recurso nós acreditamos que o Tribunal Recursal vai enxergar isso", destacou.

Antonio Cruz/Agência Brasil
Rompimento da barragem em Mariana causou um gigante impacto ambiental 

Um dos aspectos apontados pela defesa das vítimas está no relatório preparado pelo Relator Especial da ONU Baskut Tuncak em setembro de 2020. Nele, atesta que "a capacidade de prover reparação efetiva às vítimas do desastre de Mariana é emblemática" e faz considerações sobre a postura da BHP e da Vale, empresas que criaram a Fundação Renova para lidar com as indenizações.

"Infelizmente, o verdadeiro propósito da Fundação Renova parecer ser limitar a responsabilização da BHP e da Vale, em vez de conferir qualquer aparência de efetiva remediação. Deficiências institucionais estão bem documentadas", diz.

Veja o comentário do escritório PGMBM

No dia 9 de novembro de 2020 foi publicada uma matéria intitulada “Justiça britânica extingue ação coletiva de indenização pelo desastre de Mariana”, que trata sobre a sentença proferida no âmbito de ação internacional ajuizada por milhares de vítimas, representadas pelo escritório PGMBM, em virtude dos severos danos ambientais, morais e materiais causados pelo desastre do rompimento da barragem do Fundão, em Mariana, ocorrido em 2015. 

A reportagem contou apenas com colaboração e manifestação da empresa BHP Billiton, ré do processo, trazendo uma visão unilateral dos acontecimentos. Por esse motivo, o escritório PGMBM, na condição de representante dos autores da mencionada ação, gostaria de apresentar uma análise da sentença feita sob outra perspectiva. 

A Justice Turner entendeu não ser inviável o processamento da ação no âmbito da justiça inglesa pelo fato de já haver ações tramitando no Brasil que tratam sobre o Desastre, caracterizando certo abuse of process; a dificuldade de gerenciar uma ação dessa proporção na Inglaterra; e o fato de que, supostamente, as vítimas já estão sendo compensadas no Brasil.

Ocorre que, equivocadamente, grande parte da argumentação construída pelo juiz inglês foi baseada na ideia de que algum tipo de reparação é viável pelo sistema judiciário brasileiro e, ainda, que tais reparações já estariam em curso no Brasil. O escritório PGMBM e todas as vítimas do maior desastre ambiental da história discordam veementemente. 

Cincos anos se passaram desde que a barragem do Fundão se rompeu, causando danos ambientais irreparáveis e destruindo a vida de inúmeras pessoas. Muitos processos foram ajuizados, mas o que se vê na prática são trâmites lentos, muitas promessas e pouquíssima ação por parte dos responsáveis. Indenizações irrisórias foram pagas para algumas poucas vítimas e acordos notadamente insuficientes foram firmados.  

A aplicação da lei brasileira combinada às regras processuais inglesas são uma poderosa ferramenta para as vítimas, que estão devidamente amparadas por advogados brasileiros e estrangeiros. Além disso, é fato público e notório a ineficiência das instituições brasileiras e das empresas responsáveis em gerar uma reparação efetiva e justa para os atingidos pelo desastre. Cinco anos após o desastre, mais de 100 processos estão em curso, alguns Termos de Ajustamento de Conduta foram firmados, uma Fundação foi criada e, ainda assim, as vítimas ainda esperam por reparação.

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