Opinião

Qual é o dies a quo do lustro prescricional aplicável às decisões do TCU?

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12 de novembro de 2020, 6h04

O tema ainda é controverso, mas há sinalizações, no âmbito do próprio Tribunal de Contas da União (TCU), que permitem apontar uma resposta à indagação posta a lume.

Questão que continua nebulosa entre os estudiosos do Controle da Administração Pública, sobretudo em período pré-eleitoral (quando há uma litigiosidade frenética em relação à temática), diz respeito ao marco inicial (dies a quo) da contagem do prazo prescricional aplicável às decisões emanadas pelo TCU, especialmente nas situações que envolvem o repasse de verbas oriundas da União.

Nosso entendimento é o de que o marco inicial para contagem do lustro prescricional é a data da transferência dos recursos financeiros. Nesse sentido, com proficiência, tem-se as lições de Arides Leite Santos (analista de controle externo do Tribunal de Contas da União, em trabalho sobre o tema ("O reconhecimento da prescrição pelo Tribunal de Contas da União") [1]:

"No caso de TCE [tomada de contas especial] instaurada no órgão de origem, envolvendo recursos repassados pela União, com cláusula que obrigue a apresentação de prestação de contas ao órgão concedente, o termo inicial de uma eventual contagem de prazo prescricional é a data de repasse do dinheiro".

O próprio Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 1.441 (2016) Plenário, que uniformizou o procedimento daquele sodalício no tocante à contagem de prazos nas tomadas de contas especiais, dispôs:

"(…)
VISTOS, relatados e discutidos estes autos de incidente de uniformização de jurisprudência suscitado quando do julgamento de recurso de reconsideração interposto por Marilene Rodrigues Chang, Paulo César de Lorenzo e Rildo Leite Ribeiro contra o Acórdão 3.298/2011-Plenário (TC 007.822/2005-4);
ACORDAM os ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Redator, em:
9.1. deixar assente que:
9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;

9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;
9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que trata o subitem 9.1.1, nos termos do art. 2020, inciso I, do Código Civil".

Prevaleceram, em acórdão extenso (80 páginas), que retrata intensa discussão sobre a matéria, os votos revisores dos ministros Bruno Dantas e Walton Alencar. Este último, que se tornou o redator da decisão, com clareza meridiana, pontuou:

"Apresentei, na assentada anterior, proposta no sentido de que a fluência do prazo prescricional fosse contada a partir do ingresso do processo no Tribunal, com fundamento no princípio da actio nata".

Permito-me, contudo, após maior reflexão, alterar esse entendimento para aderir a regra geral de contagem do prazo prescricional, posicionando seu dies a quo na data da ocorrência do fato irregular. Em relação ao tema, adiro aos fundamentos apresentados pelo ministro Bruno Dantas, em voto revisor apresentado neste incidente:

"48. Apenas para reflexão, relembro a lição de Pontes de Miranda para quem 'o fundamento da prescrição é proteger o que não é devedor e pode não mais ter prova da inexistência da dívida' – hipótese que dá contornos ainda mais dramáticos à aplicação prática da tese da imprescritibilidade.
49. A pretensão nasce a partir da violação do direito e se extingue pela prescrição (Código Civil, art. 189). A tese apresentada pelo eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues entende que o prazo começa a correr a partir da ciência da violação do direito por parte de seu titular, sugerindo que o titular do direito seria o TCU.
50. Dissinto dessa construção. O titular do direito de punir é o Estado, enquanto o Tribunal é apenas um instrumento para o exercício de tal pretensão. Nas relações submetidas à nossa jurisdição, a União se faz presente de várias maneiras – e não apenas quando esta Corte toma ciência do fato. Um contrato administrativo está sempre sob fiscalização do órgão contratante, um convênio sob a supervisão do convenente. Além do mais, a jurisdição do TCU pode alcançar todos esses atos independentemente de provocação".

Apontando-se como data de partida para o cômputo do quinquênio prescricional a da transferência dos recursos, oportuno registrar que se encampou posição ainda muito menos exigente que a acolhida pelo Ministério Público Federal e expressa no Parecer nº 62/2020, nos autos do Mandado de Segurança nº 36.668/DF, da relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Ali se discutia a prescrição do Acórdão nº 3.506/2016-TCU/1ª Câmara, proferido nos autos da TC 031.809/2014-6, por meio do qual o sindicato impetrante foi condenado a ressarcir valores repassados pela União ao Convênio SERT/SINE 145/99, celebrado com a Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo.

Ao obtemperar sobre o tema da prescrição, além de reafirmar a sua dimensão quinquenal, inclusive com a aplicação analógica da Lei Federal nº 9.783/99, o subprocurador-geral da República José Elaeres Marques Teixeira asseverou:

"Analisando o caso concreto, tendo como parâmetro o prazo prescricional de 5 anos para a fase administrativa até a formação do acórdão do TCU 3.506/2016/1ª Câmara, tem-se que o Convênio SERT/SINE 145/99 foi assinado em 23.11.1999, com o valor nominal repassado para o Sindicato impetrante de R$ 93.850,00. Então o termo a quo da prescrição na fase administrativa foi a data de 23.11.1999[2] (grifos do autor).

Por consequência, o prazo prescricional inicia seu curso não no último dia para a prestação de contas ou mesmo do início da tramitação da tomada de contas no tribunal, mas, precisamente, no momento da transferência dos recursos financeiros que não tiveram, supostamente, a aplicação consonante com que foi ajustado no convênio ou contrato de repasse. E assim é, eis que a irregularidade não se concretiza por ocasião falta da prestação de contas, mas na ausência da aplicação devida dos recursos transferidos.

 


[1] SANTOS, Arides Leite. O reconhecimento da prescrição pelo Tribunal de Contas da União. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/en_us/biblioteca-digital/o-reconhecimento-da-prescricao-pelo-tribunal-de-contas-da-uniao.htm. Acesso em 9/11/2020.

[2] Parecer disponível em http://www.mpf.mp.br/pgr/documentos/MS3666862.pdf. Acesso em 9/11/2020.

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