Opinião

Coexistência entre numerário e meios de pagamento digital é possível e desejável

Autores

  • Mariana Chaimovich

    é legal advisor no ITCN (Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário) colaboradora do Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV mestre em Direito Internacional pela USP e doutora pelo Instituto de Relações Internacionais da USP.

  • Theófilo Miguel de Aquino

    é mestre e doutorando pela FGV Direito-SP e consultor de relações governamentais do Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo do Numerário (ITCN).

12 de novembro de 2020, 21h20

No último dia 29, o ministro Paulo Guedes se manifestou a respeito do lançamento da nota de R$ 200 na Comissão Mista do Congresso Nacional para acompanhamento de medidas contra a Covid-19. Nessa oportunidade, destacou que a nova cédula deve sair de circulação no curto prazo, porque os pagamentos tendem a ser feitos somente por meios digitais no futuro. O ministro está correto ao afirmar que, de fato, o futuro deve apresentar maior popularização dos meios de pagamento digitais, principalmente por meio da bem-vinda chegada do Pix.

Entretanto, o avanço tecnológico nos meios de pagamentos, que agora permitem que sejam efetuadas compras até pelo celular, não torna obsoleto o dinheiro em papel. Importante lembrar que o dinheiro em espécie é o principal meio de pagamento para 60% da população brasileira, de acordo com dados do próprio Banco Central (BC), e que o país ainda conta com 45 milhões de pessoas sem conta bancária, que movimentam em torno de R$ 800 bilhões ao ano. Para a grande maioria dos brasileiros, portanto, o numerário ainda é muito importante.

Além disso, o ano de 2020 viu a circulação de papel-moeda aumentar em 29% entre fevereiro e junho, acumulando R$ 210,20 bilhões em circulação, segundo dados do BC. Da mesma forma, estudos internacionais revelam no mesmo período o aumento de dinheiro em circulação em outros países, como nos Estados Unidos, no Canadá, na União Europeia, na Austrália e na Rússia. Na União Europeia, a nota de 200 euros, por exemplo, apesar de representar apenas 7% do valor do estoque de notas em circulação, teve 30% de alta na sua movimentação de março a abril de 2020.

Nesse cenário e nesse contexto, a função constitucional dos Bancos Centrais é garantir à população acessibilidade aos meios de pagamento demandados. Existe todo um planejamento técnico por trás do lançamento da nova nota. O BC avaliou todas as opções e alternativas, como imprimir maior volume de cédulas no Brasil e em outros países, por exemplo, conforme amplamente divulgado pelo próprio BC, que tenta manter a população informada dos desdobramentos das políticas que adota. A grande demanda por numerário no momento de pandemia, somada ao entesouramento — fenômeno no qual a população guarda dinheiro em casa para suprir qualquer necessidade urgente —, fez com que a taxa de retorno da nota à circulação diminuísse para cerca de 20% do patamar histórico. Ou seja: o dinheiro simplesmente não estava voltando a circular. Justamente por isso, foi necessário tomar medidas que auxiliassem a população nesse momento extremamente atípico, que, destaca-se, ainda não terminou.

A nova nota de R$ 200 era, portanto, a única opção tecnicamente viável para enfrentar o cenário de trocas proveniente da situação de pandemia mundial, realidade esta que impõe diversos desafios — que o BC, como um órgão técnico, tenta solucionar com base em dados, e em política de Estado, não de governo. Isso significa que, por ser um órgão independente, o BC tem o dever constitucional de zelar pela troca de valores. Isso envolve pagamentos em espécie — e a nota de R$ 200 foi importante para isso — e o fomento a inovações, como o BC tem feito no caso do Pix, arranjo de pagamentos paradigmático e pioneiro no mundo, e na regulamentação do sandbox regulatório, ambiente fomentador de inovações tecnológicas para o setor financeiro e de meios de pagamento.

A coexistência entre numerário e meios de pagamento digitais é possível e desejável. O Instituto de Estudos Estratégicos de Tecnologia e Ciclo de Numerário (ITCN) permanece atento aos desdobramentos desse cenário, com pesquisas sobre as melhores práticas na gestão de numerário no Brasil e no mundo.

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