Olhar Econômico

Lógica e Direito na pesquisa científica

Autor

  • João Grandino Rodas

    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP da qual foi diretor mestre em Direito pela Harvard Law School mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

12 de novembro de 2020, 13h17

Aqueles que objetivam pesquisar, com o intuito de escrever artigos e dissertações de cunho jurídico, devem preocupar-se, precipuamente, com Lógica e Argumentação e Metodologia de Pesquisa.

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Consoante Jolivet, lógica, que em grego significado razão, é "a ciência das leis ideais do pensamento, e a arte de aplicá-las corretamente à procura e à demonstração da verdade". É ciência por ser um "sistema de conhecimentos certos, fundado em princípios universais", diferindo nesse aspecto da lógica espontânea. Pertence à "filosofia normativa, porque não tem por fim definir o que é, mas o que deve ser". Ademais, lógica é uma arte: "Método que permite bem fazer uma obra segundo certas regras". Procura ela demonstrar a verdade, pois tal procura e demonstração "são o fim da inteligência e, por conseguinte, da lógica, enquanto define as condições de validade das operações do espírito" [1].

Aristóteles é considerado o "pai da lógica", entre outras razões, por ter sido o primeiro a utilizar variáveis no estudo dos diferentes tipos de argumento. Ao empregar variáveis, ele pôde analisar não somente um ou outro argumento determinado, mas as próprias formas dos argumentos. Criou, assim, um modo de verificar a validade dos argumentos por um prisma geral que, independentemente dos termos que substituam tais variáveis, permite a identificação dos casos nos quais o argumento formado constituirá um argumento válido (por exemplo: todo A é B e todo B é C, portanto, todo A é C).

A sistematização da lógica empreendida por Aristóteles, há mais de 2,3 mil anos, não foi um mero exercício ou capricho intelectual. Como destaca John Corcoran, "a lógica foi desenvolvida por seres humanos com o propósito de responder a certas carências humanas. Especialmente importante entre tais necessidades é a de ser capaz de distinguir as provas (genuínas) de 'provas' fictícias: para reconhecer argumentações concludentes e argumentações falaciosas" [2].

O contexto em que Aristóteles viveu e, pioneiramente, formalizou a lógica não foi ocasional. Após quase dois séculos de atividade dos chamados "sofistas"  que se autoproclamavam mestres da retórica e diziam ser capazes de defender e persuadir os demais até mesmo de teses conflitantes entre si , o filósofo, que foi discípulo de Platão e tutor de Alexandre, presenciou nada menos do que o declínio da polis grega e de sua democracia, deterioradas pela crescente demagogia (que, etimologicamente, significa a "condução" ou "manipulação" do povo). A lógica surge, então, como um instrumento (órganon, em grego, nome também dado ao conjunto de livros de lógica escritos por Aristóteles) para se defender e combater argumentações falaciosas ou ilusórias, responsáveis pela degradação da esfera jurídica e política que, até então, caracterizava o mundo grego.

No âmbito do Direito, o conhecimento da lógica não só permite a criação de bons argumentos, como uma correta observância da lei. Justamente por isso, alguns termos essenciais da lógica foram emprestados do vocabulário jurídico. A palavra "categoria", por exemplo, cujo plural "categorias" é o título do primeiro dos seis tratados do "Órganon" de Aristóteles, significava originalmente uma "acusação" em um tribunal na Grécia Antiga. Com o filósofo, o termo "categoria" passou a designar um "atributo" ou "modo de predicação" das coisas (que não deixa de ser algo de que elas são acusadas de serem).

Considerando o uso substancial que o Direito faz de argumentos e inferências, sua dívida para com a lógica é incontestável. Em um processo litigioso, por exemplo, o fato de que alguns depoimentos apresentem incoerências ou contradições revela aos agentes do processo que há algo ali a requerer maior atenção, podendo, eventualmente, ser decisivo para sua resolução jurídica. Em uma infinidade de outros casos, para determinar se uma ação está ou não conforme a lei, é imprescindível operar um argumento dedutivo: seria tal ação uma instância particular de uma norma geral ou seria possível identificar nela algum elemento que a configure de outro modo?

O estudo sistemático de Lógica e Argumentação deve examinar o papel da argumentação no discurso jurídico e fornecerá ferramentas da lógica formal e informal que permitem: 1) estremar as estruturas argumentativas consistentes dos argumentos defeituosos e falaciosos; e 2) construir argumentos ao mesmo tempo válidos e persuasivos.

Em suma, os aspectos a serem considerados são quadripartites: 1) redação de textos na área do Direito como forma de produção de discursos argumentativos; 2) método indutivo, responsável por fornecer noções gerais que, dedutivamente, seriam inapreensíveis: possibilitando extrair conclusões universais a partir de casos particulares; 3) definições, precauções e critérios necessários ao se conceituar um objeto ou valer-se de definições previamente estabelecidas; e 4) delimitação de objetos de investigação e apresentação de modos de empreender pesquisa jurídica, com o objetivo de responder questões e problemas concretos.

As mestrandas e os mestrandos do programa de mestrado profissional em Direito, Justiça e Impactos na Economia do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) [3] iniciam sua caminhada, cursando Lógica e Argumentação e Metodologia de Pesquisa, respectivamente sob a direção do professores doutores Tomás Troster e Maria Tereza Sadek, contando também com a participação da professora doutora Fabiana Luci de Oliveira.

Que o texto acima sirva de incentivo para os(as) mestrandos(as), bem como para todos os que desejam preparar-se para escrever artigos e dissertações jurídicas, tanto mais que o caminho acima é o que Tomás Troster pretende trilhar e os textos referidos são os por ele indicados aos discentes como leitura prévia. Seguir-se-ão, oportunamente, comentários sobre a disciplina Metodologia de Pesquisa, que será ministrada em coordenação com a primeira. Um retrato disso é que o último dos aspectos quadripartites, anteriormente mencionados, imbrica-se à disciplina de Metodologia de Pesquisa.

A primeira aula do curso do programa de mestrado profissional do Cedes, nesta sexta-feira (13/10), será ministrada pelo professor doutor Otávio Luiz Rodrigues Júnior, coordenador da área de Direito na Capes e membro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que discorrerá sobre o significado e as características do mestrado profissional em Direito.

 


[1] Jolivet, Régis, “Curso de Filosofia”, Rio de Janeiro, Livraria Agir Editora, 1959, 4ª Edição, p. 25/26.

[2] John Corcoran, “The first days of a logic course”, Quadripartita Ratio – Revista de Retórica y Argumentación, año 2, n. 4 (jul.-dic., 2017), p. 3.

[3] Rodas, João Grandino, "Centros de pesquisas podem oferecer cursos de mestrado de grande utilidade" e "Mestrado para advogados e economistas de empresas", ConJur, respectivamente, 27 de dezembro de 2018 e 3 de setembro de 2020.

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    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, da qual foi diretor, mestre em Direito pela Harvard Law School, mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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