Opinião

A atuação das empresas do Simples nos Juizados Especiais

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12 de novembro de 2020, 15h06

Segundo o site da Receita Federal, que detém os dados sobre as empresas optantes pelo regime jurídico-tributário do Simples Nacional, o Brasil tem 16.055.587 empresas registradas nesse regime diferenciado (dados de setembro de 2020) [1]. Esse número leva em conta também os microempreendedores, chegando a um percentual comparativo que equivale a mais de 7% da população brasileira (estimada em cerca de 210 milhões de habitantes, pelo último censo demográfico divulgado).

O número fica ainda mais impressionante quando se compara com a quantidade total de empresas no país em maio de 2020: 19.228.025 [2].

A maioria esmagadora dos empreendimentos e empreendedores do Brasil funcionam sob a tutela do Regime do Simples Nacional (mais de 80%), o qual detém uma série de benefícios e facilitações determinados pela lei e pela própria Constituição.

Veja-se o texto legal que ampara as pequenas e microempresas:

"CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Artigo 146 
Cabe à lei complementar:
(…)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
(…)
definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
(…)
Artigo 179 
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei".

"LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006
Artigo 1º
— Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere: (…)".

Portanto, a opção pelo Simples Nacional denota um planejamento jurídico e tributário estratégico, com vistas a favorecer a empresa e dar vantagens ao seu desenvolvimento e à sua manutenção.

Entre todas as vantagens, destaca-se neste texto a atuação das empresas do Simples perante a Justiça, notadamente os Juizados Especiais, conforme determinação legal:

"LEI Nº 9.099/1995, DOS JUIZADOS ESPECIAIS
Artigo 3º
— O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I – as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
(…)
Das Partes
Artigo 8º
— Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.
§1º. Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial:

(…)
II – as pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte na forma da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006".

"LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006
Do Acesso aos Juizados Especiais
Artigo 74 
Aplica-se às microempresas e às empresas de pequeno porte de que trata esta Lei Complementar o disposto no § 1º do art. 8º da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, e no inciso I do caput do art. 6º da Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, as quais, assim como as pessoas físicas capazes, passam a ser admitidas como proponentes de ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas.
74-A
O Poder Judiciário, especialmente por meio do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, e o Ministério da Justiça implementarão medidas para disseminar o tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte em suas respectivas áreas de competência".

Portanto, assim como a decisão do empresário em optar pelo regime simplificado se trata de uma estratégia, utilizar-se dos procedimentos específicos dos Juizados Especiais também deve constar no planejamento da empresa.

Um dos primeiros fatores que pesam na decisão da empresa é justamente a eficiência financeira para lidar com seus recursos, seja na hora de contratar, na hora de receber, ou na hora de pagar tributos.

E quando há algum atrito incapaz de ser resolvido pelo diálogo, a Justiça é o caminho inevitável para a resolução dos conflitos. A depender da complexidade do assunto, os Juizados Especiais podem ser uma via mais rápida e eficiente para os objetivos da pequena empresa que busca solucionar seus problemas sempre de maneira rápida e com custos reduzidos.

A opção pelos juizados pode cortar custos judiciais e honorários de sucumbência (não há imposição de honorários de advogado à parte perdedora até a sentença), demonstrando-se uma opção viável e estratégica para ir em busca dos direitos da empresa, a depender da complexidade do caso.

Os Juizados Especiais autorizam, como padrão, apenas pessoas físicas a atuarem como autores. A exceção serve justamente às pessoas enquadradas como microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte (as quais podem ter um faturamento anual de até R$ 4,8 milhões). Mas cabe lembrar que se trata de uma opção, a qual deve ser analisada com a devida consultoria jurídica para análise de riscos e estratégias específicas caso a caso.

Com isso, litígios que podem durar anos na Justiça comum costumam ser resolvidos em meses perante os juizados, com a possibilidade de conciliação entre as partes antes mesmo da sentença, uma vez que todo procedimento de Juizado Especial requer uma audiência prévia para tentativa de conciliação por intermédio de conciliadores mediadores.

Há de se ressalvar que temas especializados, como a relação trabalhista, só podem ser resolvidos por aquela Justiça especializada do Trabalho, prestando-se os Juizados Especiais para demandas cíveis e também de Fazenda Pública. Isso serve para outros temas também, como é o caso da Justiça federal (a qual também tem juizados), por exemplo.

Portanto, com a devida consultoria, as empresas do Simples podem traçar estratégias de atuação para a resolução de seus conflitos, buscando sempre a eficiência e a manutenção do tratamento diferenciado e favorecido que a elas devem ser dispensados.

Por vezes, contudo, o Judiciário não reflete a imposição legal e acaba por ignorar mecanismos específicos de proteção às partes do processo. No caso das empresas do Simples, destacamos dois posicionamentos polêmicos do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje), os quais acabam por mitigar direitos consagrados das pequenas e microempresas.

Para uma rápida introdução, o Fonaje [3] foi instalado no ano de 1997 e sua idealização surgiu da necessidade de se aprimorar a prestação dos serviços judiciários nos Juizados Especiais, com base na troca de informações e, sempre que possível, na padronização dos procedimentos adotados em todo o território nacional. Tem como principais objetivos: "Uniformizar procedimentos, expedir enunciados, acompanhar, analisar e estudar os projetos legislativos e promover o Sistema de Juizados Especiais; e Colaborar com os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo da União, dos Estados e do Distrito Federal, bem como com os órgãos públicos e entidades privadas, para o aprimoramento da prestação jurisdicional".

Sobre as polêmicas, são provenientes de dois enunciados cíveis do citado fórum:

"ENUNCIADO 135 (substitui o Enunciado 47) O acesso da microempresa ou empresa de pequeno porte no sistema dos juizados especiais depende da comprovação de sua qualificação tributária atualizada e documento fiscal referente ao negócio jurídico objeto da demanda. (XXVII Encontro – Palmas/TO)".

"ENUNCIADO 141 (Substitui o Enunciado 110) A microempresa e a empresa de pequeno porte, quando autoras, devem ser representadas, inclusive em audiência, pelo empresário individual ou pelo sócio dirigente (XXVIII Encontro – Salvador/BA)".

Esses entendimentos acabam por criar verdadeiros embaraços às empresas optantes do Simples, as quais, por imposição da Constituição, devem ter tratamento favorecido e diferenciado, inclusive perante o Judiciário.

Não há qualquer exigência de demonstração de documento fiscal do negócio em discussão judicial para outras empresas fora do Simples, por exemplo. Tampouco há a necessidade de representação das empresas especificamente por seus sócios no Judiciário. A lei não impõe esses entendimentos e, no caso da representação, a empresa pode se valer de preposto, conforme autorizado no artigo 9º da Lei dos Juizados [4].

O Juizado Especial, que tem como princípios norteadores "oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade", por vezes acaba engessado por orientações como essas; as quais visam, em verdade, a criar barreiras ao acesso à Justiça, eis que complicam a atuação das empresas sem pensar nas consequências práticas dessas decisões.

Ainda bem que tais posicionamentos não vinculam o Judiciário, mas servem, tão somente, como orientação. Já há diversos posicionamentos contrários a esses enunciados por todo o Brasil, inclusive e, principalmente, pelos próprios órgãos julgadores.

Diante de tudo o que foi colocado no texto, fica evidente que a atuação empresarial no Brasil se demonstra sempre desafiadora, seja dentro ou fora dos tribunais. O que acaba sendo um diferencial, principalmente para os pequenos empresários, além do planejamento, é justamente a visão estratégica para as tomadas de decisões. E essa estratégia deve ser analisada com cautela sempre que for necessária a atuação perante a Justiça, seja na condição de réu, seja na condição de autor. Com a orientação e consultoria adequada, os riscos são reduzidos e as possibilidades aumentam, dando solidez e confiança para que a empresa possa se manter sólida, blindada juridicamente e capaz de crescer.

 


[3] http://fonaje.amb.com.br/.

[4] "§ 4º O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício".

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