Opinião

O acordo de colaboração premiada e os sistemas colaborativos

Autor

  • Galtiênio da Cruz Paulino

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

11 de novembro de 2020, 12h07

A ideia de colaboração do acusado, em troca de um prêmio, no ordenamento jurídico brasileiro remonta à previsão normativa das alíneas "b" e "d" do artigo 65, III, do Código Penal, com a redação advinda da Lei n. 7.209/84, e aos institutos do arrependimento eficaz (artigo 15, CP) e do arrependimento posterior (artigo 16, CP).

Coube, porém, à Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) incluir expressamente no ordenamento nacional o instituto da colaboração premiada, ao trazer a previsão de que o agente que auxiliar na persecução penal para desestruturar quadrilha ou bando terá sua pena reduzida.

Outras leis surgiram no mesmo sentido, com destaque para a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/98), que, no artigo 1º, parágrafo 5º, com redação estabelecida pela Lei nº 12.683/12, passou a prever que aquele que colabore com o Estado na persecução penal para apuração das infrações penais, na identificação dos demais agentes envolvidos ou na localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime poderá receber um prêmio quando do seu julgamento.

Posteriormente, veio a Lei de Proteção às Testemunhas e Vítimas de Crimes (Lei nº 9.807/99), estipulando a previsão da colaboração premiada, pela primeira vez, para qualquer infração penal.

Com a Lei nº 12.850/2013, o instituto da colaboração premiada adquiriu maior sistematicidade, deixando de ser um instituto direcionado para crimes específicos em troca de um prêmio a ser concedido em uma persecução penal específica que o colaborador efetivamente tenha colaborado.

Vigora nas leis que antecedem a Lei nº 12.850/2013 o sistema do favor estatal, por meio do qual se atribui um prêmio em favor do colaborador, na maioria das vezes no momento da condenação, por meio de uma redução de pena ou mesmo do perdão judicial.

A Lei nº 12.850/2013 manteve a sistemática colaborativa do favor estatal prevista nas leis que a antecederam, porém inaugurou o sistema de colaboração baseado no limite sancionatório, com protagonismo para o órgão de acusação.

A sistemática do favor estatal configura-se quando o colaborador resolve colaborar com a persecução penal do evento específico de que ele está sendo acusado. Para que sejam estabelecidos benefícios nesse caso, prescinde-se de um prévio acordo, necessitando apenas que o Ministério Público se posicione favoravelmente à colaboração, em razão de entender que as informações prestadas e as provas apresentadas foram importantes para a persecução penal. Em seguida, caberá ao juiz, no momento da sentença, após a manifestação do Ministério Público, aferir se a colaboração do acusado foi efetiva e será cabível, desse modo, a concessão de um benefício, aplicando uma causa de diminuição de pena prevista na lei, o perdão judicial ou admitir a incidência de um regime de pena mais brando.

Na sistemática do favor pena, repita-se, não se necessita da formalização de um acordo. Este, porém, poderá ser celebrado com o Ministério Público, sem a vinculação do juízo, ou com a polícia, sem a fixação dos benefícios (hipótese que se enquadra os acordos de colaboração celebrados com a polícia).

Já na nova sistemática inaugurada pela Lei nº 12850/2013 (limite sancionatório), o Ministério Público (atribuição exclusiva) celebra um acordo com o colaborador, que entregou diversos eventos delitivos de que tem conhecimento, e estabelece um limite sancionatório. Ou seja, caso o colaborador venha a ser condenado em razão dos eventos delitivos de que tenha participado e estejam englobados pelo acordo de colaboração premiada, só cumprirá a sanção imposta em consonância com os limites sancionatórios acordados e homologados pelo juízo. Exemplo: Ministério Público e colaborador acordam uma sanção máxima de 20 anos. O colaborador, salvo na hipótese de perdão ou da fixação do benefício de não ajuizamento da demanda penal, será processado e condenado normalmente e, caso a pena total atinja, por exemplo, o patamar de 200 anos, só cumprirá 20. O inverso também pode acontecer, ou seja, caso não seja condenado ou receba uma pena inferior a 20 anos, só cumprirá o que lhe foi imposto.

Atualmente, vigora no Brasil um microssistema jurídico-processual penal que cuida dessa técnica especial de investigação, possuindo como base fundamental a Lei de Organizações Criminosas, que deve ser interpretada sistematicamente com os dispositivos processuais penais já existentes que dispunham sobre o tema, sendo que muitos ainda estão vigentes.

A Lei nº 12.850/2013 exerce papel central nesse microssistema. Além de ter mantido a sistemática colaborativa do favor estatal, prevista nas leis que a antecederam, inaugurou, conforme exposto, o sistema de colaboração baseado no limite sancionatório, com protagonismo para o órgão de acusação.

Vale destacar que não se fixa em um acordo de colaboração penal, por meio da nova sistemática criada pela Lei nº 12.850/2013, uma pena (quem fixa a pena é o juízo). Estabelece-se apenas um limite sancionatório enquanto benefício pactuado.

Na sistemática do favor estatal, o colaborador é processado normalmente e, no momento da dosimetria da pena, o juiz aplicará ou não o prêmio que entender cabível na possível condenação. Na nova sistemática, o colaborador poderá vir a ser processado e condenado normalmente, porém, no momento do cumprimento da pena imposta, deverão ser observados os limites sancionatórios acordados com o Ministério Público e homologados pelo juízo.

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