Princípio do juiz natural

STF afasta competência da Justiça Federal para julgar promotor acusado de corrupção

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10 de novembro de 2020, 18h09

A regra no processo penal é o respeito ao princípio do juiz natural, com a devida separação das competências entre Justiça Estadual e Justiça Federal. Por isso, não é possível admitir que todos os fatos apurados por uma força-tarefa do Ministério Público Federal sejam atraídos para processamento no mesmo juízo, independentemente da competência natural.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Constituição não admite hierarquia entre a Justiça Federal e Estadual, disse ministro Gilmar Mendes, relator do caso

Com esse entendimento e por maioria, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal afastou a competência da Justiça Federal para julgar ação contra um promotor de Justiça do Rio de Janeiro acusado de corrupção. Por 3 votos a 2, o colegiado manteve a decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, de março.

O caso diz respeito ao promotor Flávio Bonazza de Assis, acusado pelo Ministério Público fluminense de receber propina para não dar sequência a investigações contra empresas de transporte público do Rio de Janeiro. Ele foi denunciado por organização criminosa e corrupção passiva.

A denúncia tem como base procedimento investigatório criminal (PIC) instaurado na Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro. De acordo com o MP, além de travar as investigações, o promotor teria se comprometido a vazar informações sobre ações do órgão que contrariassem os interesses empresariais.

A denúncia foi encaminhada ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que declinou da competência originária diante da notícia da aposentadoria de Bonazza, remetendo o caso à 7ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, do juiz Marcelo Bretas.

A alegação é de suposta conexão com a operação "ponto final", que apura propina a políticos do estado paga por empresários de ônibus e envolve o ex-governador Sérgio Cabral.

Na monocrática, o ministro Gilmar Mendes destacou que não foi imputada qualquer conduta ilícita ao promotor no sentido de ofender os interesses da União. E destacou que o único ponto de aproximação entre as duas ações penais seria a delação de Lélis Teixeira. Segundo a jurisprudência do STF, colaboração premiada não fixa competência. Assim, o caso deve ser remetido à primeira instância da Justiça Estadual fluminense.

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Não há juízo no país, por mais proficiente que seja, que possa constituir-se em juízo universal, apontou ministro Lewandowski

"O que estou apontando é que não há elementos que envolvam interesse ou bens da União. Isso é importante para que essa competência seja bem delineada, sob pena de entendermos que haverá uma hierarquia entre a Justiça Federal e a Justiça Estadual, coisa que a Constituição não admite”, afirmou o ministro, ao confirmar a monocrática e negar provimento ao agravo do MPF.

"Tenho dificuldade em reconhecer a algum juízo do país, por mais proficiente que seja, a habilidade de constituir-se em juízo universal", destacou o ministro Ricardo Lewandowski.

"Nossa Constituição e a legislação processual é pródiga em definir as competências às quais se submetem os jurisdicionados exatamente para deixar claro e permitir que se dê concreção ao princípio do juiz natural, que é um valor fundamental abrigado em nossa carta magna", concluiu. Também formou maioria o ministro Nunes Marques.

Votos vencidos
Ficaram vencidos em relação à competência da 7ª Vara Federal Criminal os ministros Luiz Edson Fachin e Cármen Lúcia. Ambos entenderam haver nítida conexão intersubjetiva, instrumental e probatória a inviabilizar a pretensão da defesa.

Essa conexão se evidencia por elementos como a divisão de tarefas em busca do bem comum do braço da organização criminosa em que supostamente se insere o promotor, investigada pelo MPF fluminense e também alvo da ação de corrupção.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Prisão cautelar foi justificada pelo juiz da 7ª Vara Federal Criminal, Marcelo Bretas, com base em pedido de exclusão de e-mail
Fernando Frazão/Agência Brasil

Prisão ilegal
O colegiado também confirmou a monocrática no que diz respeito à ilegalidade da prisão preventiva do promotor, decretada pela 7ª Vara Federal Criminal. Neste ponto, ficou vencido isoladamente o ministro Luiz Edson Fachin, que entendeu bem justificada.

Para o ministro Gilmar Mendes, não há demonstração de fatos concretos e atuais a demonstrar sua necessidade. Especialmente porque foi baseada em pedido de exclusão de sua conta de e-mail da provedora de e-mails Apple, após o vazamento de notícias da possível colaboração premiada de Lelis Teixeira e o denunciado Jacob Barata ter admitido a existência de “caixinha” para pagamento de propina.

Para o MPF, o intuito foi dificultar as investigações. "A gestão de contas de e-mail, sua criação e exclusão são atos corriqueiros e é suposição afirmar que a exclusão tenha sido feita com essa finalidade", concluiu o relator, que foi acompanhado no ponto pelos ministros Nunes Marques, Cármen Lúcia e Ricardo Lewadowski.

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HC 181.978

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