Opinião

A responsabilidade civil dos influenciadores digitais

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10 de novembro de 2020, 20h22

Introdução
Com as novas tecnologias, a propaganda em massa se transfere, de modo significativo, da televisão e do rádio para a tela de computador ou smartphone. Nesse sentido, surge uma nova forma de fazer propaganda, de anunciar um determinado produto.

A partir disso, uma nova maneira de trabalhar e ganhar dinheiro no meio digital nasce, a nova profissão conhecida como influenciador digital, ou "formador de opinião", como muitos chamam.

Assim, sendo a internet um local de dúvidas com relação à legislação por se transformar de maneira tão dinâmica, se faz necessária uma análise dos dispositivos normativos com a finalidade de determinar o que se aplica a esses novos trabalhadores da área e quais as possíveis sanções que podem os mesmos sofrerem caso seja causado algum tipo de dano relacionado à algum produto anunciado por meio de seu perfil.

Papel dos influenciadores digitais na era da informação
A popularização do acesso à internet, principalmente nos últimos anos, revolucionou e dinamizou a comunicação, acelerando e modificando o processo de transmissão e recepção de informações. Diante da difusão de saberes na era da conectividade, em que a maioria não consegue viver sem internet e confia todos os seus dados a ela, o marketing como forma de propaganda tomou novos contornos, tendo em vista o aumento do tempo médio de conectividade de usuários das plataformas sociais.

De acordo com a revista Exame, as buscas pelas lives no YouTube, só no período de quarentena devido à Covid-19, cresceram 4.900% no Brasil. Entretanto, as pessoas estarem por mais tempo em casa só intensificou o que antes já era uma realidade não apenas em nosso país, mas no mundo inteiro, ou seja, as relações agora são pautadas no campo digital e, com isso, novas profissões surgem neste meio.

Um dos novos ramos pelo qual se pode lucrar por meio da internet é o compartilhamento de um estilo de vida, de experiências e opiniões por meio de perfis criados na rede. Surgem, então, indivíduos que possuem milhões de seguidores no campo digital e que acabam por influenciar a maneira não só de agir, mas de pensar de vários "telespectadores" que os acompanham e constroem um elo de confiança com aquela pessoa.

Nesse diapasão, um novo termo para denominar a "profissão" que está ganhando destaque principalmente entre os jovens nasce, qual seja, os influenciadores digitais, ou formadores de opinião. Para Issaaf Karhawi, em seu artigo "Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão":

"O termo influenciador digital (e antes dele, sua versão em língua inglesa; digital influencer) passou a ser usado mais comumente, no Brasil, a partir de 2015. Um dos principais motivos pode estar atrelado à entrada de novos aplicativos na esfera de produção desses profissionais que deixaram de se restringir a apenas uma plataforma — só o YouTube, no caso dos vlogueiros; ou só o blog, no caso dos blogueiros" (KARHAWI, 2017, p. 7).

O surgimento constante de novas redes sociais digitais também é fato que induz o surgimento de cada vez mais formadores de opinião, possibilitando generosa remuneração para todos que busquem trabalhar no ramo. Em 2004, o Facebook foi disponibilizado na rede e logo depois, em 2010, o Instagram. Com o grande sucesso desses aplicativos, novos surgem diariamente, permitindo que os influenciadores possam levar sua prática para diferentes plataformas, de maneira a potencializar seu crédito e prestígio na rede.

Ademais, no período de quarentena, cantores de sucesso também aumentaram o uso de suas redes sociais como forma de vender não apenas sua música, mas também produtos por meio das chamadas lives como forma de alcançar um público maior.

Um exemplo de marketing em lives que ficou conhecido foi o caso do músico Gusttavo Lima, que, com o alto índice de notabilidade em seus vídeos, alcançou a posição de cantor brasileiro mais seguido no Instagram e, em abril de 2020, após ser patrocinado pela Ambev, teve instaurada a Representação Ética nº 078/20 do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) para análise das ações publicitárias envolvidas em suas lives, pelo alto consumo de bebidas alcoólicas durante as gravações e falta de identificação de público-alvo.

Assim, se faz necessário avaliar o nível de responsabilidade desses influenciadores, principalmente em casos de induzimento ao uso de produtos que afetam a saúde, ou no anúncio de marcas que não atendem aos padrões de qualidade, expectativa, utilidade, prazo ou demais elementos interligados ao consumo e lesões patrimoniais tutelados pelo Código de Defesa do Consumidor.

Com isso, surge a possibilidade de equiparação do influenciador digital aos fornecedores, quando inseridos na relação de consumo. No Brasil, entretanto, ser influenciador digital ainda não é uma ocupação classificada pelo Ministério do Trabalho, fato que prejudica o estabelecimento de suas obrigações.

Responsabilidade civil dos influenciadores digitais
No ano de 2020, no Juizado Especial Cível de Barra Mansa (RJ) foi julgado o primeiro processo em que um influenciador digital foi responsabilizado civilmente.

A autora da demanda havia comprado celular em loja indicada pela influencer, mas o produto não foi entregue e, posteriormente, veio a seu conhecimento que a promoção anunciada era falsa, tratando-se de golpe aplicado em todo o país.

O entendimento do tribunal foi de que mesmo não havendo relação de consumo entre as partes, o influenciador desenvolve a atividade de expor produtos e serviços com habitualidade, obtendo lucros, de modo que deve ser responsabilizado por quaisquer danos originados dos produtos e serviços de que faça divulgação.

A responsabilização tem base legal no artigo 927 do Código Civil, que preceitua que a reparação do dano não dependerá de culpa quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar em risco para os direitos de outrem.

O influenciador, ao utilizar-se de sua plataforma para a divulgação de produtos e serviços, faz com que diversas pessoas sejam impelidas a adquirir daquela marca ou loja, seja por confiar na opinião normalmente exposta no perfil, ou até mesmo por admirar o estilo de vida ali registrado.

Fica claro o grande impacto que as propagandas veiculadas por redes sociais têm nos dias atuais, sendo necessária a existência de regulamentação que torne esse ambiente mais seguro aos consumidores de conteúdo.

O Conar tem por função a regulamentação e fiscalização das propagandas veiculadas no Brasil, em quaisquer meios. O regramento do mercado publicitário trabalha em consonância com o Código de Defesa do Consumidor para tutelar pelos interesses dos consumidores.

Assim, as publicidades digitais, mais especificamente as realizadas nas redes sociais, já foram e continuam sendo objeto de deliberação do órgão.

A falta de identificação da campanha publicitária é um dos problemas mais recorrentes tratados pelo órgão que, por meio de processos administrativos, aplica sanções em caso de descumprimento dos preceitos estabelecidos.

Outras irregularidades, como a influência ao uso exagerado de bebidas alcoólicas em lives, sem identificação do público-alvo, realizadas por alguns cantores sertanejos, por exemplo, são também alvo da fiscalização realizada.

Em que pese as normas ditadas pelo Conar não gozarem de força jurídica, são importante ferramenta de regularização das propagandas, uma vez que é por meio da fiscalização por ele realizada que as redes sociais têm se tornado plataformas mais seguras de consumo.

A regulamentação, jurídica ou não, tende a crescer em consonância com o aumento da utilização das redes sociais e da visibilidade das propagandas e publicações realizadas. Mas ainda há um longo caminho a ser percorrido até que a comercialização de produtos e serviços seja adequada.

Um exemplo claro do mal uso das redes sociais como meio de propaganda é a grande divulgação de cirurgias estéticas, muitas vezes agressivas, com a mesma seriedade com que tratam de um novo corte de cabelo.

Há diversos influenciadores que fazem parceria com clínicas médicas, se submetem aos mais diversos tipos de procedimentos, e vendem a experiência aos seus seguidores. Entretanto, até que ponto isso deve ser tolerado, considerando-se as possíveis consequências de uma cirurgia mal realizada?

Ainda, há quem faça sorteios dessas cirurgias, nas quais os critérios de participação costumam ser seguir determinados perfis e marcar alguns amigos nas publicações. Não há como saber se o público atingido é maior de idade ou apto à realização de procedimentos estéticos.

O modo como muitos dos influencers se portam em casos como esse demonstra o quanto não compreendem o peso de suas ações. Muito menos que têm consciência dos danos, materiais ou não, que podem acarretar.

Dessa forma, não resta dúvidas da premente necessidade da imposição de limites ao que é anunciado e a forma que é publicado. As redes sociais são a mais importante forma de comunicação das gerações atuais e impactam diretamente pessoas dos mais diversos setores sociais, não podendo haver lacunas nas regulamentações que deixem os usuários expostos a condutas prejudiciais por parte dos influenciadores.

Conclusão
Ante todo o exposto, imperioso concluir que o reconhecimento da responsabilidade civil dos influenciadores digitais é um grande passo de nosso ordenamento jurídico em relação aos novos tipos de relação social advindo da era da sociedade da informação.

Esse entendimento faz com que as novas formas de propaganda via redes sociais passe a ser mais regrada, de modo que os espectadores e consumidores sejam resguardados, possibilitando mais segurança ao consumir o conteúdo produzido pelos mais diversos tipos de influenciadores, em especial, no tocante a produtos e serviços divulgados.

 

Referências bilbiográficas
AGRELA, Lucas; CURY, Maria Eduarda; VITORIO, Tamires. Na quarentena, o mundo virou uma live. 2020. Disponível em: https://exame.com/revista-exame/o-mundo-e-uma-live/. Acesso em: 29 out. 2020.

ANDRADE, Daiana Mourão de. A responsabilidade civil objetiva dos influenciadores digitais. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-set-20/daiana-andrade-responsabilidade-influenciadores-digitais#:~:text=A%20responsabilidade%20civil%20objetiva%20dos%20influenciadores%20digitais&text=A%20propaganda%20de%20massa%20est%C3%A1,aquisi%C3%A7%C3%A3o%20de%20produtos%20e%20servi%C3%A7os. Acesso em: 29 out. 2020.

KARHAWI, Issaaf. Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão. 2017. Disponível em: http://alinecorso.com.br/wp-content/uploads/2019/03/influenciadores-digitais-conceitos-e-praticas-em-discussao.pdf. Acesso em: 29 out. 2020.

SÉRGIO RODAS. Influenciadora digital responde por golpe dado por loja que indicou. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-ago-21/influenciadora-digital-responde-golpe-loja-indicou>. Acesso em: 6 Nov. 2020.

‌SILVA, Pamela Veloso; ARAÚJO, Elta Maria de. A responsabilização civil do influenciador digital sob a ótica da legislação consumerista. 2020. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54877/a-responsabilizao-civil-do-influenciador-digital-sob-a-tica-da-legislao-consumerista. Acesso em: 29 out. 2020.

SILVA, Michael César; BARBOSA, Caio César do Nascimento; GUIMARÃES, Glayder Daywerth Pereira. A responsabilidade civil dos influenciadores digitais na "era das lives" — Migalhas. Uol.com.br. Disponível em: <https://migalhas.uol.com.br/coluna/migalhas-de-responsabilidade-civil/328701/a-responsabilidade-civil-dos-influenciadores-digitais-na–era-das-lives>. Acesso em: 6 Nov. 2020.

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